Web Statistics

E-BOOK CELEBRAÇÃO - ILKA VIEIRA & REGINA COELI


E-book realizado pela Del Nero Bookstore em Dezembro/2010
Idealização e Capa: Ilka Vieira





























ÍNDICE


APRESENTAÇÃO
ENTRE AS AUTORAS
- Eu Sou Mar, Tu És Lua (Ilka Vieira) / Eu Sou Lua, Tu És Mar (Regina Coeli)

PREFÁCIO

DEDICATÓRIA

CELEBRANDO EM VERSOS

ELOS DE AMIZADE
- Perfume da Alma (Ilka Vieira) / Suave (Regina Coeli)
- Soneto à Amizade (Regina Coeli) / Arcos de Amizade (Ilka Vieira)

CONFIDÊNCIAS
- A Minha Primeira Vez (Ilka Vieira) / Nada Mais (Regina Coeli)
- Etéreo (Regina Coeli / Sem Poda (Ilka Vieira)

OLHARES DE NATUREZA
- Canto da Despedida (Ilka Vieira) / O Choro da Palmeira (Regina Coeli)
- Prece (Regina Coeli) / Grito (Ilka Vieira)

IDOLATRIAS
- Paisagens Pessoanas (Ilka Vieira) / Olhos Abertos (Regina Coeli)
- Notas de Amor (Regina Coeli) / A Poetisa e o Pianista (Ilka Vieira)

POR AMOR
- Descaminho (Ilka Vieira) / Meu Caminho (Regina Coeli)
- Nossos Olhos (Ilka Vieira) / Teus Olhos (Regina Coeli)

CARÍCIAS
- Amor Bonito (Ilka Vieira) / Somente Tu (Regina Coeli)
- Roda (Regina Coeli) / Quase... (Ilka Vieira)

DESEJOS
- Concretude (Regina Coeli) / Similitude (Ilka Vieira)
- Alma Viva (Ilka Vieira) / Vida Minha (Regina Coeli)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
- Por Ilka Vieira
- Por Regina Coeli





APRESENTAÇÃO




























Entre as Autoras 

Chegaste em tempo
de fazer-me descobrir
os mares que tenho em mim...
                   IIka Vieira

Em tuas águas
vi o meu luar resplandecer
em brilho...
                Regina Coeli




EU SOU MAR, TU ÉS LUA
Ilka Vieira

Pelo encanto deste amor platônico
Ao entardecer faço-me calmaria
Ensaio canto em tom harmônico
Inspirado na tua simbologia

E, por nunca saber como virás,
Se inteira, meia ou minguante, 
Vou expulsando o arco-íris lilás,
Noite pra minha lua dançante

Mas quando teu cetim prateado
Desfila atrevido entre mim e o ar,
Sinto que estou sendo tocado;
Esse é o amor entre a lua e o mar

Outra noite no mesmo espaço
E os barcos, singrando em mim,
Embriagam-se com teu regaço;
Envaidecido, toco o meu clarim.




EU SOU LUA, TU ÉS MAR
Regina Coeli 

Tuas águas de carícia em meu luar
Sussurram melodias carinhosas,
É como o florescer de lindas rosas
Sedosas com o frescor do teu aguar.

Meus raios enrubescem em teu banhar,
Alteiam em tuas ondas glamourosas
As fases inquietas e ansiosas 
De eu refletir meu céu em ti, meu mar...

Quando me estendes braços de magia
E me enlevas no encanto das marés,
Embarco em minha nau de fantasia...

Sou tua lua, passeando em ti sem pés,
Sedenta do teu beijo que irradia
Teu sal salgando o brilho que em mim és!




PREFÁCIO



Ao aceitar o convite para prefaciar Celebração, de Ilka Vieira e Regina Coeli, de cujas obras poéticas já sou leitora e apreciadora, procurei posicionar-me lembrando que os melhores livros são aqueles que não comportam apenas uma interpretação — há cenário para todo tipo de crítico-leitor e daí se forma o conteúdo básico para consagrar ou esquecer uma obra.   

Li e reli Celebração muitas vezes com o meu olhar crítico, por não acreditar que cada uma dessas duas poetisas conseguisse cumprir a proposta de compartilhar seu admirável talento sem ao menos uma pitada de espírito competitivo. Isso  não seria ruim, mas quando transparente torna-se deselegante, prática  muito comum na vaidade humana, sobretudo no meio da arte. Mas, confesso, fui surpreendida. A magia da amizade fortalecida faz coisas que só a emoção nos leva a sentir, sem que seja preciso nada explicar.
            A obra está muito bem organizada em oito temas, nos quais as autoras se correspondem por confissões de sentimentos, pontos de vista e atitudes, e selam suas diferenças sem tropeçar na obrigatoriedade social da cordialidade.  Com a transparência em dose certa, elas figuram emoções através de versos que, acredito, sejam nascentes de sua grandiosa amizade. Posso dizer que o livro rendeu-me não somente o desafio  da leitura analítica, mas também a sensação de ter vivido cada momento retratado pela parceria.
Nos tempos modernos, o fiel leitor de poesia ainda admira suas regras conservadoras. No entanto, para inebriar-se de algum poema é preciso muito mais do que rimas, métricas e ritmos. O poeta consciente de hoje é aquele que proporciona o encontro inesquecível entre a linguística e o pulsar de emoções; o leitor só embarcará com ele se a viagem for convincente e envolvente.
Não cabe aqui expressar-me sobre o quanto cada uma dessas duas poetisas inebriou minha alma com o perfume desta obra. Se isso me fosse indagado, diria que cada uma fez brilhantemente a sua parte, sem romper com seu próprio estilo e sensibilidade, indispensáveis no compartilhar.
Resta-me propor ao leitor que embarque nesta nau e que seus olhos mergulhem na mesma profundidade com que as autoras expressam a integridade da amizade no seu tempo certo, com bagagem suficiente, amadurecida e merecedora de celebração.
            Abraço as autoras e agradeço, emocionada, a confiança na escrita do prefácio.

                                           Wana Antony 
                                                           (Médica, Poetisa e Amiga)




DEDICATÓRIA

Ao sublime sentimento da Amizade,
flor que liberta perfume,
porque é essa a sua vocação;  
o resto é imitação.  











Ilka Vieira  e Regina Coeli

CELEBRANDO EM VERSOS
  





Elos de Amizade 

A amizade é uma tábua largada
nos mares da Vida; apenas se salva
o náufrago que confia e nela se arrisca.
                                   Regina Coeli

É no mais forte abraço-amigo
que reside o melhor dos ouvintes.
                                 Ilka Vieira




PERFUME DA ALMA
Ilka Vieira
(Dedicado à amiga Regina Coeli)

Teu perfume atravessa a cidade
Doa-se a quem perde sua essência
Desce a serra com bela sonoridade
De pássaros voando em inocência

Esse aroma doador por onde passa
Faz sorrir um coração que é jardineiro
Uma gota que se espalha pela praça
Desperta amor perfeito no canteiro 

E o perfume sacode tanta gente
Tentando perpassar a pele fria
Mas essa gente corre e nada sente,
Perde o melhor da vida, a poesia

Faz tempo, fiz a minha descoberta:
Vem da alma teu perfume, doce amiga.
Mantenho todo dia a porta aberta,
Alma minha, não se perca desta liga!




SUAVE
Regina Coeli
(Dedicado à amiga Ilka Vieira)

Tão mais será a alma perfumada
Quanto mais pura for a sua fonte,
A mina onde o pecado, um quase nada,
É olor desabrochando em seu desponte... 

Perfumes se irradiam em essência,
Em cheiros que refletem uma flor
Que, despertada em lúcida consciência,
Espalha olor de amor com muito amor.

Perfumes inebriam em bem-querer
Aqueles que, na Vida, têm poesia;
Que se impregnam do dia a amanhecer
E aspiram noite, enquanto dorme o dia...

Se dizes que minh'alma tem perfume,
Em ti busco apurá-lo e maturá-lo; 
Tua doçura em mim é como lume
Sobre a flor da amizade, o meu regalo!




SONETO À AMIZADE
Regina Coeli

Um sentimento forte, uma corrente
De elos amigos, mágicos na vida,
Prontos a sustentar a fé perdida,
Se há elos frouxos, pútrida semente. 

Rebento brota, o chão sorri, e sente
O coração da flor, agradecida,
Chorar seu vicejar ao ser querida
No amor amigo em troca permanente.

O sol se esconde e faz surgir a lua
Não menos bela, já que é dele a luz;
Ele a ilumina e ela nos seduz...

Uma amizade, joia mui preciosa,
Celebra quem a cuida como rosa
Na terra fértil em que ela perpetua!




ARCOS DE AMIZADE
Ilka Vieira

A amizade abre sorriso sem vaidade
É árvore gigante de abraço quente
Troca perfume, deixa à vontade
É flor no campo sempre crescente

Quando ao seu doce colo me chama
Dá-me o melhor do seu sol sombrio
Não investiga se me perdi na lama
Banha minha alma à margem do rio

Nascem belas amizades todos os dias
Mas não só de amor se fortalecem
Depois que atravessam a euforia
Somente as verdadeiras não falecem

Fujo daquelas que não me convenceram
Respeito as que desistiram no caminho
Abraço aquelas que obstáculos venceram
Oro e faço dessas o meu eterno ninho.




Confidências  

Esvaio-me em desconsolo:
Arrombaram-me a porta...
Roubaram-me os sonhos...
os segredos...
Revelo, por fim,
sobras de mim.
                           Ilka Vieira

Revelo-me a cada novo instante
até mesmo para mim;
não sei exato quem sou...
                         Regina Coeli





A MINHA PRIMEIRA VEZ
Ilka Vieira

Dedos a dedilhar-me em descobertas
Senti-me ilha, tesouro desvendado
Busca pelas minhas terras desertas
Murmúrio, cantiga de mar convidado

Olhares fazendo-me "ver estrela"
Dorso saindo do colo... fazendo ninho
Numa pirueta, passos lentos a tecê-la
Suor, gosto de água virando vinho

Sorriso no meu ventre de meia lua
Cheiro de mato desvirginando flor
Festa de sonhos adormecendo a rua
Esperança de viver verdadeiro amor

Leito poético de rede na varanda
E o sol celebrando o amanhecer
Brisa me banhando com lavanda
Ilusão definindo meu desverdecer

Precocemente, o tempo traiçoeiro
Trouxe-me a chuva, o frio, a solidão
Levou sem dó o meu amor primeiro
E cantiga de mar virou recordação.




NADA MAIS
Regina Coeli

Um objeto vivo em meu querer
Qual vela nova em rota caravela
Descortinando o sol no amanhecer
Em calmaria rindo da procela...

Nenhum prazer maior que amar o Amor,
Sentir um calafrio abençoado
Roçar-me a espinha em frio encantador
No amar em tom sensato e delicado...

No abstrair, confesso-me em prazeres,
Apenas sinto o Amor amando em mim
Sem brigas, sem ciúmes e sem seres
No meu sentir, começo sem ter fim... 

Acordo-me entre flores perfumadas,
Pecado em sua fragrância a se espalhar
Nos leitos, nas aleias tão sagradas
Em que conjugo a mim no verbo amar!  





ETÉREO
Regina Coeli 

Tosca pele recobre o que eu pareço,
Porque o que sou, uma ânsia adormecida,
Flerta com o dia cada tom da Vida
E vem amar a noite em meu avesso...

O que sou é oceano em que entristeço
Águas ao largo, adeus de despedida
Ao meu sonhar, e ver a dor parida
Nas entranhas de mim, onde padeço...

Mas sou bem mais, sou febre rutilante
A adoecer-me em doença de um amar
Que me resgata plena como amante...

Em fantasia seja o meu pisar
De Cinderela amando um quê distante
Que a minha mão, vazia, ama no olhar...





SEM PODA
Ilka Vieira 

Esse anelo que parece adormecer
Tem mais vida do que a vida espera;
É estrada desejando o amanhecer
Cultivando-se para a tua primavera

Se o rebento mostra-se tão distante,
É preciso despir-se de monotonia,
Desistir do sonho como figurante,
Revestir-se de estrela com poesia

Se tuas águas fervem, não és mar
És vulcão submarino adormecido;
Podes entrar em erupção e acordar
A quem supõe que estás arrefecido 

Mas, se deixas de ser fogo ardente
E enfeitas solo infértil pra plantar,
Abraço-te, e por ser tua confidente,
Choro contigo esse amor a divagar.



Olhares de natureza

Sou filha da Natureza
e amo esta minha Mãe.
              Regina Coeli

Cada pequenina flor interrompida,
menor a possibilidade de se conservar
a grande Vida...
            Ilka Vieira







CANTO DA DESPEDIDA
Ilka Vieira

Eu queria tanto continuar encantando
Viver livremente como passarinho
Entre árvores e lagos sair voando
Soltar meu canto de um ser mansinho

Queria tanto continuar vivendo
Escolher meu alimento com fartura
Buscar água sem receio minuendo
Não me tornar apenas uma gravura 

Por onde ando? Reflita!
Sou vítima do seu abandono
Já não sobrevoo a paisagem bonita
Não vi a primavera e o outono

Reproduzir-me, nem pensar...   
Enquanto faltar bondade humana 
Serei história pra se fazer chorar:
Vão-se passarinhos da terra brasiliana.




O CHORO DA PALMEIRA
Regina Coeli  

Onde estás, meu singelo passarinho?
Quem te levou pra longe assim de mim,
Ficando aqui teu ninho tão sozinho,
Choro de flor roubada do jardim...

Volta pra cá, a aurora se anuncia,
Eu te preciso aqui e ao teu cantar
Fazendo amor na tua sinfonia
Pra colorir de sons o azul do ar...

Já estás voltando, eu sei, posso sentir
O teu voar vibrando em minhas folhas,
Fazendo cócegas, fazendo-as rir
Como sabão subindo ao ar em bolhas...

Estás chegando, estou sonhando, eu sei...
Sonho um sorriso diante do homem mau
Que é obrigado a bem cumprir a lei 
De proteção sensata a um animal...

Constrói tua casa, doce passarinho,
A mim tu tens sedenta do teu canto;
Aqui te espero, vem fazer teu ninho
Na tua palmeira, vem, te quero tanto!




PRECE
Regina Coeli

Mãe-Natureza, neste sonho alado
Quero ser terra, um chão no tempo arado,
Pra que em mim nasça ao menos uma flor...

Quem sabe um mar, em ondas verdejantes,
Inspiração a idílio dos amantes,
Poema ao poeta, lágrima ou o que for...  

Árvore altiva, forte e destemida,
Barreira aos ventos, ninho e fiel guarida
Ou dando fruto bom como comida...

Se um riachinho lindo e bem mansinho,
Pra criançada andar o seu barquinho,
Fico feliz pudesse eu merecer...

Mas pouco sou, não sirvo nem pra estrume,
Sou pequenino ser e tão sem lume,
A mim me resta amar para aprender...





GRITO
Ilka Vieira

Uno-me a ti, pequenino ser, nesta prece
Estamos secando, estamos sem liquidez
A doce essência humana já nos falece
Parece remoto revertermos a malvadez

Estamos sem luz, estamos sumindo
A alma já não brilha no amanhecer
O fim de tarde é natureza partindo
Sem sabermos se irá renascer

Árvores de quintais, espaços roubados
Flores viraram artesanato, sem vida
Pássaros em comércio, inalados
E o homem-cego já nasce suicida

Já não berra a mãe natureza, chora.
Lânguida pulsação é o que lhe resta
Há muito a se fazer, e que seja agora
Ou brindemos nossa morte em festa.





Por Amor

Vivi amando a tudo e a todos.
Fiz muito bem, do contrário seriam menos sorrisos...
                               Regina Coeli

Meu coração aprendeu
a respeitar o sinal vermelho,
sabe a hora certa de desacelerar...
                              Ilka Vieira


DESCAMINHO
Ilka Vieira

As chuvas hão de lavar os teus ressentimentos
A noite extensiva recolherá a fartura de queixas
Caminhante, ouvirás a voz dos meus lamentos
Partindo, pensarás nos sonhos que me deixas

Admito, errei descaminhando o corpo da alma
E ele, tão fraco e vaidoso, roubou dela o ego
Na carícia animal, vi que o amor não espalma
Perdoa, meu amor, este âmago tão cego!

A chance que te peço é o reaprendizado
Já vi, não se mata sede com água salgada
Varro meu futuro se te tornares meu passado
Enfim, saberei distinguir o beco da estrada

Não esperes que a manhã decida por ti
A razão é tão clara, mas inimiga da sorte
Meu dossiê desprezível, o excluí daqui
Refaz comigo a vida que desvia da morte.






MEU CAMINHO
Regina Coeli

Sinto a chuva cair pelo meu rosto
Não a que escorre, rindo, lá do céu,
Mas a que chora a dor do seu desgosto
Em gotas tão amargas quanto fel.

No amor que circunscreve o meu caminho,
Minh'alma triste morre de saudade
Do corpo onde ela construiu seu ninho
E, hoje, é  emoção vazia que me invade.  

O meu etéreo esvoaça atrás do monte,
Lembras-me, ó alma, amiga dos meus dias; 
E a sede que eu matei naquela fonte
Me fez sorrir, enquanto me sorrias... 

Na madrugada, os pés me levarão
De volta àquele ninho, ah, me espera!
Minh'alma, com altar no coração,   
Perdoa, porque eu vivo de quimera!...



NOSSOS OLHOS
Ilka Vieira

Se... teus olhos encontrarem os meus
Não os deixes fugir, ensina-os a chorar
Meus olhos clamam pelo afeto dos teus
Às margens deste lago hão de desalagar

Se... meus olhos aos teus pedirem abrigo
Não os deixes negar, quebra-lhes a alma fria
Teus olhos aos meus torturam como castigo
Meus olhos com os teus enxergam poesia

Se... outros olhos derem aos teus mais vida
Chorarão meus olhos, chorarão por abandono
Tentarei fechá-los na hora da partida
Até que outros olhos os despertem do sono

Se... meus olhos morrerem hoje pelos teus
Deixa teus olhos sofrerem a justa dor
Não consoles olhos que matarão os meus
Morte por cegueira vem da falta de amor.




TEUS OLHOS
Regina Coeli

Como duas contas cheias de ternura,
Duas estrelas vivas numa face
Piscando amor, tão plenas de candura,
Quais pássaros que cantam ao sol que nasce...

Como barquinhos sôfregos de mar,
Duas crianças ávidas por doce,
Teus olhos, meigos, prontos pra olhar
Dentro dos meus, possível isso fosse...

Mas se calaram aqueles olhos teus
Sem nunca terem dito o que eu queria,
Vidrando sobre os meus o teu adeus
Defunto de finada fantasia.

Eu te recordo; e o som da tua voz,
A bocejar sorrisos para a aurora,
Pousa em meus olhos, tristemente sós,
O amor que a morte me levou embora.




 Idolatrias

Jamais quis ser como és;
tu me bastas.
                   Regina Coeli

Atravesso tua alma,
chego do outro lado plena,
sem ao menos
ter-te tocado...
                  Ilka Vieira







PAISAGENS PESSOANAS
Ilka Vieira

Entre Reis, Caeiro, Campos e outros tantos,
Pessoa desassossegava-se de ser apenas um
Assistia à vida compartilhando seus prantos
Poeticamente-louco, eternizava-se incomum

Nutria-se da vacuidade de corpos com almas
Lastimava vidas traçadas antevendo o fim
Todas deveriam partir antes dele, morte d'almas
Largadas da mão, apagariam a nuvem do afim

Quando essa pluralidade diz-se acalmada
Surge Bernardo Soares cara a cara com Pessoa
Desta vez nem eles nem outro veem da sacada,   
O poeta, um em um, agora navega e voa

Bernardo não era heterônimo, semi se dizia
Planavam ele e Pessoa, esfera d'alma una
Deixa-nos a obra desassossegada na magia
Revelando segredos de vida, Pessoa em luna

Ah, Fernando, quando um dia eu me for,
Em testamento já declaro meu desejo:
Que sejam os olhos meus a se pôr
Em páginas pessoanas onde hoje versejo!






OLHOS ABERTOS
Regina Coeli

A leitura do verso de Pessoa,
O Fernando que a nós desassossega,
Verte magia plena, santa ou cega
Conforme seja o som que em ti ressoa... 

O verso é um tom que n´alma embala e entoa
A sensação que o olhar apreende e entrega
Ao coração, a nau em que navega 
A  paixão que ele canta e nele ecoa...  

Se viajas com Fernando, o teu arrais
Por mares de perfeitas fantasias
Ou de agonias tintas em corais, 

Tantos Pessoas, tantas ventanias 
— Nas muitas ilusões pra ver um cais —
Verás no Mestre, noutro não verias!





NOTAS DE AMOR
Regina Coeli

Caem do céu, imensamente belas,     
São tantas delas, joias reluzentes,  
Como pingentes a enfeitar as gentes 
Que, tão carentes, se penduram nelas...

Abrem janelas, arrebentam celas
E das procelas de águas inclementes
Fazem-se frentes a acalmar as mentes
Que, de doentes, vibram em aquarelas...    

Acendem velas em esplendor divino 
Em tom latino diante de um altar,
Para tocar um piano cristalino. 

Cala-se o sino às notas a vibrar!
Cala-se o mar, o santo e o libertino,
Pra ouvir, em hino, Ernesto Cortazar!





A POETISA E O PIANISTA
Ilka Vieira

Amanhece na alma da poetisa solitária...   
Cenário do pianista abrindo-lhe o coração
Pela fresta da janela, sol faz-se luminária
No ritual, ele toca para sua inspiração.
   
Sintonia da dança entre pena e dedos
Estende as horas de cada novo dia
Criando passos, versos para o enredo
Olhar da noite, que benção à parceria!

Despe-se aos sonhos, voa alto a poetisa
Leva consigo a ilusão de poder parar
O vento que fez dela uma leve brisa
Tocando o pianista, sem poder tocar.

A poetisa viu estrelas e fez um verso
A madrugada avisou: - Já vou partir
Regina selou Ernesto no seu universo
E o pianista fez uma estrela dormir.






 Carícias

Gosto do beijo que chega tímido...
Deixa seduzir-se por um olhar
e rodopia ao ar livre
sem receio da festa acabar.
                               Ilka Vieira

Ah, carícias...
Longos são seus braços,
que acariciam a alma...
                             Regina Coeli



AMOR BONITO
Ilka Vieira

Faz amor bonito comigo
Traz flor colorida em tua mão
Dá-me teu colo como abrigo
Sente pulsar meu coração

Minh´alma enfeitada de renda
Revela tanto tempo sonhado
Não deixemos que vire lenda
Encantos desse dia esperado

Diz que me ama só em francês
Desliza nesta pele prometida
Toma do meu vinho português
Vira-me do avesso sem medida

No auge deste incêndio louco
Acalma a brasa dos meus pelos
Pega a flor, espera um pouco
Recomeça pelos meus cabelos...




SOMENTE TU
Regina Coeli

Te aqueço no calor do meu abraço
Me enlevo em todo afago que te faço
Querendo te levar ao infinito
Dos êxtases frementes e das cores
Que colho no jardim das minhas flores
Naquilo que te dou de mais bonito.

Caminho a tua estrada de prazeres
Percorro os teus atalhos e, sem veres,
Aspiro os teus barrancos verdejantes,
Tuas mansas luas, mares, tuas areias
Tão claras onde flertam, em ti, sereias
Que beijam meus desejos mais flagrantes... 

Os teus cabelos, os tenho em minhas mãos.
São fios que descobrem meus desvãos.
Desejos que suponho cor-de-rosa.
Perfumes que imagino no teu todo
E que amo, sem perfídias nem engodo.
Que sejas, no jardim, a minha rosa.




RODA
Regina Coeli

Tão dengosa a brisa vem
Beijar-me o rosto em afago
E o sol, meu ardente mago,
Minh'alma beija também.

A lua e o belo luar
Me iluminam de emoção
Em raios que vêm e vão 
Meu coração cariciar.

Cheirosa flor de um jardim
Me dá do perfume dela
Que junto à minha janela
Perfuma tanto de mim.

Não têm mãos essas carícias,
Mas chegam pra acarinhar
Sentidos a embriagar
Com seu mundo de delícias.

Versos há, vêm-nos tocar,
Afagam gostosamente,
Deitam mãos por sobre a gente
Conjugando o verbo amar! 





QUASE...
Ilka Vieira

Ah, eu queria ser flor perfumada
Brisa menina sentindo teu elogio
Queria ser sol andante na sacada
Ou dourando teu corpo à beira do rio

Queria ser os raios da tua emoção
Piscar silenciosamente num olhar
Inventar nuances lindas de paixão
Destemido, ser um raio a celebrar

Se quisesses, eu seria toda a natureza
Até riacho doce alegre ou soluçante
Declamando a tua singular beleza
Como chuva no mato aromatizante

Que pena, nada disso pra ti eu serei
Tenho sangue nas veias a pulsar
Faço carícias que não queres, eu sei
Tenho fome nas mãos além do olhar.





Desejos

Tantos...
Tão simples...
Tão meigos...
                Regina Coeli

Quando não se vestem só de sonhos,
recompensam com muito mais
do que só sorrisos... 
               Ilka Vieira


CONCRETUDE
Regina Coeli

Se os sonhos são desejos imperfeitos
Que dormem aguardando a nova aurora,
Acordo cedo em busca de um agora
Pra despertar meus hojes dos seus leitos.

Quem sabe, o Tempo sábio dos conceitos
Venha dizer que já levou embora
As brumas dissipadas cada hora
No mar dos meus desejos rarefeitos...

Jaz no jardim a flor amanhecida
Em pétalas voltadas para o sol
Querendo iluminar-se no arrebol...

E as nuvens no horizonte, tão sombrias,
Podem ser chuvas vivas nos meus dias
Por ver a flor, fragrante, ressurgida!



SIMILITUDE
Ilka Vieira

Quem tem a sábia forma dos conceitos
Dirá se há subversão nos meus valores
Eu sei que o sonho nasce e fica nos leitos
Já meus desejos não ficam só nas cores

Se sonho, conto a vida perdendo-a nos dedos...
Se desejo, tenho dedos e posso ganhar a vida...
Se sonho, sinto que quero, mas... e meus medos?
Se desejo, quero e a barreira será vencida!

Sonhar é desejar coisas impossíveis
É sentir o voo  sem precisar voar
Desejar é tornar os sonhos acessíveis
É sonhar com a razão sem levitar

Mas eu também sonho, vejo fadas...
Estrelas me beijam e viro luar bonito
Já fui príncipe nas minhas cavalgadas
Fui princesa aflita e fui meu próprio grito.





ALMA VIVA
Ilka Vieira
        
Quero da vida o encontro com a magia da arte
Colher dela a sabedoria insigne do silêncio
Sair ilibada em passeio poético por toda parte
Soprando pétalas do meu coração "florêncio"

Quero da vida vagar lúcida sentindo-me louca
Chamando quem não conheço à luz da natureza
Na troca de prosa sem pressa ou de pressa pouca
Compartilhar a ópera silvestre em sua grandeza

Quero envelhecer jovem sem esmolar cuidados
Repintar sonho desfeito, rir de sonho errante
Descalçar meus pés, deixá-los ir descasados
Brincando entre passado e presente doravante

Quero rejuvenescer velha à brisa do mar
Tornar-me onda, passarada, barco à deriva...
Poeta triste, morto e ressuscitado para amar.
Ilha habitada, corpo aquecido, Alma Viva!




VIDA MINHA
Regina Coeli

Quero-te no esplendor da fresca madrugada  
Sentir de ti o amor aceso em mim vibrando
Como se fora o fim de um ciclo se fechando,
Mas já surgindo a flor ungida e perfumada.

Quero-te à beira-mar como onda encapelada
Rugindo os teus lençóis em cios, espumando
Em águas para o sol, sorrindo a um novo quando,
Que chega, com prazer, na flor desvirginada.  

Quero-te num sentir maior do que o sentir
Sendo pra ti refém, amante dos teus dias,
Fechada em tua prisão, mas livre pra partir.

Quero-te, Vida-Mãe, e além das cercanias 
Da Terra, mar e céu, tu estás, doce elixir 
Que amo e bebo no olhar, enquanto me vicias!  








CONSIDERAÇÕES FINAIS







Celebração é o caminho que leva ao lugar no qual Regina Coeli e eu selamos  um grande encontro da nossa amizade. Quando falo de amizade, refiro-me àquela que se despe inteira da vaidade, das glórias, constrangimentos e segredos...

Cada uma de nós conheceu a outra como nunca antes se havia permitido — retiramos finalmente a última camada dos véus. Cada uma também conheceu uma parte desconhecida de si própria, a duração do seu perfume, a extensão do seu grito, a lágrima que parecia ter secado, o segredo das nuvens que se fazem passageiras... Enfim, percorremos caminhos que nos levaram a avaliar e conhecer a verdadeira amizade, inclusive a restaurar sentimentos partidos.
E, se chegamos juntas a um maior grau de descobertas, restou-nos celebrar.

À sempre competente editoração de Drica Del Nero coube realizar o e-book  Celebração, cuja magia é a de ter tido gravados confessos sentimentos diante da sublimidade da lua e do mar. Sem dúvida alguma, este e-book é, para suas autoras, um ato corajoso de promover um despertar, de ser flor capaz de brotar no deserto, nas montanhas geladas, solo somente abençoado para aquilo que é persistente.   

Quem tem o privilégio de conhecer Regina Coeli sabe que muito antes dela entregar-se como amiga, chega-nos  como irmã... como mãe... como um pássaro grande procurando espaço para pousar. Foi e será sempre um grande aprendizado no conhecimento da vida unir minha pena à pena desta que chamo de amiga e que hoje abraço num abraço sem reserva de emoções.

À poetisa Regina Coeli, que se vestiu de lua acendendo o meu mar, expresso carinhosamente o meu  agradecimento, também pelo convite em divulgar a nossa celebração. 

Ao leitor que levou o seu olhar a celebrar conosco a reflexão sobre o intimo e o indelével, sobre a luz e a gratidão, sobre o poético e o existencial,  assento minha plena satisfação por ter conquistado um olhar fecundo.

                                                        Por Ilka Vieira




Celebração é verdadeiramente um e-book de  almas que celebram o seu encontro em escritos, não propriamente perguntando ou respondendo... Tampouco intentando se complementar. É um e-book de escritos que se acompanham, que confessam seus sentires e suas escolhas até por caminhos invisíveis, mas que uma alma amiga tão bem reconhece...   

Ilka Vieira e eu  experimentamos a doce magia de uma confissão escrita de amizade, que, entretanto, vai muito além do que está grafado. Brotado do recôndito de cada uma de nós — ao amparo das trocas do sentir, do viver e do escrever —, esse belo sentimento é grata companhia na complexa tarefa de viver, vindo sacralizar laços de amor, respeito e cumplicidade entre pessoas fraternas,  um  verdadeiro tesouro, mas que precisa ser bem cuidado, para ser merecido.

Celebração parece ter sido semeado ao longo dos anos. Hoje ele floresce, fruto coroado de uma realização que se alicerçou no sublime tripé de se abraçar  uma amiga, uma amiga que escreve e que o faz  com doce perfume de poesia. E foi o sentimento de profunda amizade que me incentivou a ir  colher nas minhas cavernas o que ainda não tinha vindo à tona.

Fui lua em meu encontro com Ilka Vieira.
Depositei o meu luar no seu mar de palavras e de emoções, quer em burburinho, quer em calmaria. Se a lua influencia as marés, banhou-me a alma o mar de emoções da amiga Ilka Vieira, a sua forma emblemática de dizer sobre os seus sentimentos e percepções. Prazerosa e delicadamente, deixei que se revelasse o que penso e o que vou percebendo em mim.  

Finalmente, se algo deve brilhar neste e-book  é o seu resultado final, e  não qualquer uma das partes que se lhe constitui. A mim uma certeza —  a de que eu não mais serei a mesma a partir dele, porquanto a parceria de versos e de Vida é escora que não se perde no tempo, do contrário não terá sido uma efetiva parceria.  

À Ilka Vieira, amiga de Vida  e de versos, o meu agradecimento, o meu carinho e a minha admiração por tudo o que ela Simplesmente É.


E que possamos ter deixado calar aos corações dos leitores que as letras vestem  sentimentos que a alma, no seu silêncio, há muito já havia percebido — faltava tão-somente um amigo para instigar à revelação dessas íntimas percepções.
                                         
                                                             
                                                Por Regina Coeli  





Nenhum comentário:

Postar um comentário