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CARINHOSO, UM E-BOOK DE AMOR POÉTiCO

Capa: Arte de Ilka Vieira


PREFÁCIO
(por CLEIDE CANTON)


A palavra é uma arte, mas a arte maior consiste em usá-la com arte.
A poesia é a expressão artística que exige demais de quem a abraça porque depende de um emaranhado de quesitos para atingir a plenitude dos seus objetivos. Os versos não são apenas expressões de sentimentos, não se concretizam num jogo de rimas, pobres ou ricas, não se solidificam pela beleza do fato descrito ou do tema abordado. São mais, muito mais...

Regina e Humberto são poetas admiráveis pelo domínio de um grande número de variantes que transformam os versos em verdadeiras obras-de-arte, dignas de figurarem no rol dos que jamais serão esquecidos. Cada qual, separadamente, tem o seu brilho. Juntos conseguem aquele "mais", cativante, envolvente, pleno. 

Regina, com a ternura que lhe é peculiar, nos transporta, com seus versos, a uma dimensão extraordinária de amor, de zelo, de desprendimento, de apego à natureza. Leva-nos, facilmente, à abstração do que parece concreto, quando indaga, bem como à concretização do abstrato, quando responde. Humberto, poeta carismático, persuasivo, objetivo, claro, dotado de uma espiritualidade que o eleva, consegue mostrar a face do romantismo com primor incomum. 

Ambos demonstram, com seus escritos, um encontro perfeito de ideias, até nas controvérsias. O amor que parece uni-los transcende o que é comum, estraçalha os limites da normalidade e nos leva, muito facilmente, a um pedacinho do céu que seria reservado a bem poucos. Ao mesmo tempo, não nos deixam esquecer que inferno existe.

Versos de Regina e Humberto se entrelaçam, neste livro, sem pesos em balanças. Ambos confirmam seu valor, linha após linha, como se solfejassem, sempre, a mesma canção, vestida de paramentos riquíssimos.

São intérpretes da forma mais pura de amar. Um perfeito encontro de "grandes" que não temem mostrar o que dança em suas almas sonhadoras, vagando por todos os espaços, buscando outros odores para os mesmos ares.

O título escolhido se molda perfeitamente à temática abordada. Para todos aqueles que acreditam que o aprender é uma constante, a leitura e apreciação deste livro é quase obrigatória pela riqueza de conteúdo, pelo cuidado na elaboração dos versos e, principalmente, porque é uma prova de que o duetar é uma forma quase perfeita de demonstrar amor. 

Meus aplausos, poetas, pelo carinho que norteou este dignificante trabalho! 

Teu calor era tanto, e a cama fria,

assim como gelada é a solidão
desta saudade que ora me angustia
de ter-te longe do meu coração!

                          (Humberto)
                                          
      Reflete e vê por que rompeu-se o laço,
          Revoga posições, pede perdão...
          Aprende a ser humilde no teu passo,
          Vai atrás dela e mata a solidão!

                               (Regina)


Cleide Canton, poetisa
São Carlos/SP, 02 de fevereiro de 2012.





DEDICATÓRIA





Às Parcerias
carinho e respeito
por Amor à Poesia.






À querida Anna Müller,
que tornou possível este e-book
com um brilho mais intenso,
um abraço de gratidão, 
carinho e 
admiração.



À eternamente presente Ilka Vieira
 (1954-2014),
a estrela com brilho de poesia.






SUA MAJESTADE, O SABIÁ




SABIÁ
Humberto - Poeta

Quando foste àquela casa, 

ao sabor de cada asa,
que é que foi que viste lá?
Viste alguém de lindo rosto,
que se traja com bom gosto,
não foi mesmo, sabiá?

Pousaste na laranjeira

que se ergue bem fronteira
com seu quarto de dormir?
Que tem ela mais que as outras,
que vês nela mais que noutras
no teu eterno ir-e-vir?

Desconfio, meu sabiá,

que o que te leva até lá
é algum secreto pendor...
És dela o seu menestrel
cuja boca anseia o mel
que flui de tão linda flor!

Mas não vás mais atrás dela,

nem voltes à sua janela
se queres conselhos sábios.
Desfaz os teus sonhos, pois
alguém já privou nós dois
da corola dos seus lábios!




CANTA, SABIÁ...
Regina Coeli

Sabiá do canto triste

Meu coração te ouve e chora
Verto lágrimas no agora,
Porque a dor no peito insiste...

Sabiá da laranjeira

Canta esse canto tristonho
Carrega contigo o sonho
De um dia eu ser a primeira

Leva o sonho, sabiá,

Pela brisa benfazeja
Por mais sofrido que seja,
Jamais o deixes por lá...

Sabiá do canto triste

Traz meu sonho pra eu sonhar
Canta o meu desabafar,
Que a tristeza não resiste...

Meu amigo sabiá

Em coro vamos cantar
Pras dores apequenar,
Que mal pra sempre não há!



PARCEIROS POÉTICOS 



Humberto-Poeta/SP  e  Regina Coeli/RJ





PARCEIROS EM TROVAS
Regina Coeli  e Humberto-Poeta




Por viver triste e sozinho
só amenizo minhas dores
quando recebo o carinho
de uma musa a me dar flores!

As flores fito uma a uma
e mais que eu nelas repare,
em beleza não há nenhuma
que contigo se compare.

Versos lindos, bem os dizes, 
açúcar que a alma prova
e adoça todas as crises
no doce da tua trova!

É preciso que reflitas
que as minhas trovinhas leves
talvez não sejam bonitas
como aquelas que tu escreves!

Se minhas trovas, singelas,
encantam a quem é rei,
farei muitas, muitas delas
e aos teus pés eu as porei! 

Às tuas trovas nota dez
dá uma melhor direção;
não as ponhas aos meus pés,
mas sim no meu coração!

Procura em  teu coração
os quartetos e tercetos
que te dei com emoção
em tantos, tantos sonetos...

Quadras, sextilhas, tercetos...
não precisas mais de provas;
tão belos são teus sonetos, 
quanto lindas são tuas trovas!

Pois se esse teu coração
dos sonetos meus, que aprovas,
cheio está, qual a razão
pra pretenderes as trovas?

Agradeço, nobre vate,
o incentivo, em tantas provas
que me dás, sem disparate,
mas... pra que queres as trovas?

Se me adulas, agradeço,
mas mantém a direção,
responde a trova que teço,
não fujas da raia, não...

Não saio pela tangente
e nem abandono a raia;
do teu estro competente
não há o que de bom não saia!

Quando à noite o céu sorri
e as estrelas dão-me olhares,
a lua passa sem ti,
tudo passa, sem passares...

E meus olhos escurecem
e seu brilho vai embora
nas estrelas que fenecem,
chorando o brilho de outrora...

Mas, se da noite esses mastros
pudesse ampliar os refolhos,
transformaria em dois astros
esses teus fulgentes olhos!

Uma estrela já tão bela, 
mais bela pode ficar, 
se abres a ela a janela 
do brilho do teu olhar.

Mas o brilho da mais bela
não pode o teu superar;
faz-se fosco o brilho dela
se contemplo o teu olhar.

Se em meus olhos brilho vês
muito mais do que eles têm,
pouco importam os porquês,
pois nos teus vejo também!

Mas se brilham tanto os teus
que extrapolam os limites
tal e qual sinto nos meus,
tudo bem, estamos quites.

Muito bom estarmos quites
nessa intrincada questão,
quando ultrapassas limites,
encontras meu coração...

Pra boa poetisa ou poeta 
dotados de alma e emoção,
nunca há limite nem meta 
que lhes tolha a inspiração!

Alma e emoção são sabores
fazendo pulsar o verso
que o poeta pinta nas cores
garimpadas no universo. 

A amplidão, com gosto e classe, 
Deus pintou de tons diversos
pra que o poeta os usasse
na paleta dos seus versos.

E o vate que é vate sente
a poesia que está nele
quando uma rima pungente 
vem chorar no verso dele!



PARCEIROS EM SONETOS
Regina Coeli  e  Humberto-Poeta



FALA-ME DE AMOR...
Regina Coeli 

Vem logo, amor, que o dia vem raiando

E o sol vem vindo para dar calor
Àqueles para quem amor é amor,
Um mágico sentir inebriando... 

Vem logo, amor, que o tempo vai passando

Seja assim, seja lá  o que inda for,
Amar  é um bom prato com sabor
Gostoso que se tem somente amando...  

Vem logo, amor, estou à tua espera

Aguardo-te, ansiosa, num jardim 
Onde a estação é sempre a primavera... 

Vem, meu amor, vem ver a flor em mim 

Que dura o tempo exato da quimera
De achar que vinha um certo alguém, enfim...


RETORNO

Humberto - Poeta 

Este teu ser, pra quem o amor é amor

e de uma doce espera se inebria
contando as horas que compõem o dia,
desde a manhã cedinho ao sol se pôr, 

a minha volta aguarda e se angustia

e suspira, num ai desolador,
temendo que a distância traga a dor 
do fim de tão ansiada fantasia! 

Não te amargures com tão longa espera,

desfruta agora da tua primavera,
deixa passar esse enfadonho outono... 

Ao teu jardim um dia eu tornarei, 

pois jamais, meu amor, permitirei 
dele se aposse algum estranho dono!






VAZIO
Humberto - Poeta 

Seria até banal dizer-te o quanto

me esquivo ao pranto quando estás ausente;
nada há no mundo que, tão tristemente,
me imponha à mente o tédio e o desencanto!

O teu silêncio traz-me descontente
e a toda gente é claro o meu quebranto;
de minh’alma povoas cada canto,
e em cada canto eu sinto-te presente!

Me ataste à ausência de hibernais pernoites,
tremor e afoites... de ilusões vazias...
melancolias... horas vãs e frias...

Ai... de saudade nunca mais me açoites
por sete noites e outros tantos dias,
que em sendo dias foram mais que noites!



AUSÊNCIA

Regina Coeli

Não há de ser banal qualquer espera
Daquele que se quer, e que não vem;
A dor da ausência dói em todo alguém,
E, por amor, cansada, diz "Tolera!” 

Se alguma voz, por muda, dilacera
E traz-te um pranto à falta do teu bem,
Ai, dói profunda ausência em mim também 
E a sinto como escárnio de quimera...

Minutos que machucam como açoites... 
E as horas vão ficando tão sombrias...
E os olhos acham nada nos pernoites... 

Ah, se eu pudesse, triste não serias...
Dava-te a solidão das minhas noites
Pra beijar a saudade dos teus dias!





TUAS ROSAS

Regina Coeli 

Estremeço ao esbarrar no verbo amar
Num passado de mim que já passou
E morre tão-somente em quem deixou
Tempo futuro sem se conjugar...

Das quatro asas batidas pra voar
Um par se foi, e ainda não voltou;
Levou a alegria e o que ficou,
Tão triste, preferiu o chão ao ar...

Fui-me arrastando e a terra fez-se arada
Por meu parzinho de asas desvalidas,
Por minhas lágrimas ficou aguada...

Hoje voei subidas e descidas
  Pra te entregar, da terra bem amada,
Essas rosas cuidadas e colhidas.


RESIGNAÇÃO

Humberto - Poeta

O verbo amar nem sempre se conjuga
no tempo exato em que noss’alma anseia,
pois ela às vezes decidir receia
se aceita o embate ou se empreende a fuga.

É como a ave que a outra rodeia,

depois dela se afasta... E nada enxuga
o pranto em que anoitece e em que madruga,
singrando, só, o espaço em que pompeia.

Se assim procede é que talvez não queira

fazer que a outra espere a vida inteira
por algo que não passe de ilusão.

Se nem sempre do amor se colhem rosas,

ela impõe-se a si própria as dolorosas
e amargas penas da resignação!





ENXURRADA

Humberto - Poeta
  
Eu lembro... era menino, e no piçarro
da rua, quando a chuva, em correnteza,
descia, eu ia armar uma  represa,
juntando pedras com cascalho e barro.

Naquela tosca e débil fortaleza,
sujeita a esboroar-se a um leve esbarro,
quão fácil foi-me, num folgar bizarro,
impor o meu domínio à natureza!

Depois cresci... vieram tempos risonhos,
e toda uma caudal fruí de sonhos,
de lábios, e de corpos tentadores!

Mas, lá se foi do tempo na devesa
toda a enxurrada dos febris amores
que eu não pude conter numa represa!


REFÚGIO 

Regina Coeli

Chuvosa tarde, a correnteza passa
E lava tudo, e leva o lixo feio,
Amontoado por descaso alheio,
Causando morte, dor, cruel desgraça...

Doce lembrança lá de trás me veio...
Chuva caindo em benfazeja arruaça,
Molhando os campos, irrigando a graça
De quem pediu e realizou um anseio...

E eu na calçada com o meu barquinho,
Que se alegrava na chuva fininha
Depois ia embora a me deixar sozinha...

Tanta ternura aquele tempo tinha...
Vou pro passado! Fujo ao descaminho,
Pois no barquinho chove bem miudinho...





FLOR DA SACADA

Regina Coeli  

Era pra ti aquela linda flor
Jogada pra cair no teu chapéu
Colhida de um pedaço do meu céu 
Com perfume de todo o meu amor. 

A cada tarde morna em seu calor

Eu te esperava envolta em doce mel
E na felicidade que hoje, ao léu,
Não vê mais beija-flor na minha flor...

Um dia teu sorriso me faltou,
Fez-se triste o minuto em minha hora
E em minha mão aquela flor murchou...

Espero o teu chapéu a cada agora
Trazendo o meu sorrir, que se findou
Naquela flor que não levaste embora! 



AQUELA FLOR...

Humberto - Poeta

Mas não esqueças que tal flor, tão linda,

jamais deixei contudo de notá-la,
e do meu coração na ampla sala
eu a conservo em rico vaso ainda.

Que o meu ser dessa flor jamais prescinda, 
e nunca mais deixe de apreciá-la,
pra que não venha nunca a sobrevoá-la
um outro beija-flor em ânsia infinda!

Faltou-te, sim, a luz do meu sorriso

com que já te alegrei antigamente,
num tempo que saudoso ainda diviso.

Quero tornar àquele tempo ausente

em que à ventura e ao nosso mútuo riso
feliz eu era ao te fazer contente!




SONHO

Humberto - Poeta 

Um sonho leva-me à sua residência
e afasto a medo o tule da janela,
a ousar se vejo de relance aquela
que é causa deste amor quase demência!

E a vejo altiva, sedutora e bela,
sem que ela, na sua tímida inocência,
suspeite desta insólita insistência
com que procuro aproximar-me dela.

Que ânsia louca de entrar onde ela mora,
de sufocá-la em longo beijo agora,
na posse, enfim, da minha doce amada!

Porém me afasto... E na minh’alma aflora
a mágoa da mulher não conquistada
que irei carpindo pela vida afora!



REALIDADE

Regina Coeli 

Estranha-me sentir uma presença
Bem perto, atrás do vidro da janela;
Um vulto corre a afastar-se dela
E eu, intrigantemente, fico tensa...

De quem serão os olhos que, licença
pedir não ousam... Dele? Acaso, dela?...
Quem me espiona, quem? Aquele? Aquela?
Quem me dispensa tanta indiferença?

Ah, pudesse eu saber de quem se trata...
Talvez, quem sabe, alguém enamorado...
Ó dúvida cruel que me maltrata!

Por que se foi?... Tão cedo e apressado...
Angústia amarga, ausência até ingrata...
Serão, meu Deus, as sombras do passado?! 




PRIMAVERA

Regina Coeli 

Em meio a tantos sóis, por tantas brancas luas,

Eu te esperei, tecendo amorfas fantasias
Em fios rotos, vis, despidos de alegrias,
E chutei pedras sós e tristes pelas ruas.

Outono vindo, enquanto as árvores, tão nuas,

Pudicamente iam olhando as folhas frias
Se amontoando em vãos e cantos pelas vias,
Eram suas roupas, hoje deixam de ser suas.

O Tempo passa e a voz que encheu os meus ouvidos

Não mais ouvi, perdi de ouvir, te desligaste
De entre os guardados meus, achados e perdidos...

Mas eis que voltas, vens fremir a flor na haste,

Fazê-la rir, cantar bemóis e sustenidos,
Ah, meu amor, que bom que regressaste!


REGRESSO

Humberto - Poeta

Fugiram loiros sóis e níveas luas

no lento agonizar de extintas horas,
e tens razão, meu bem, quando deploras
ver nesse outono as árvores tão nuas;

ver nesse hiato, de letais demoras,

um longo inverno enregelando as ruas,
sentir fanadas do amor as flores tuas
mirradas... incolores... inodoras...

Mas um dia... na vida há sempre um dia,

sentindo a ausência da tua simpatia,
eu quis pôr termo aos sofrimentos meus!

Voltou a primavera... E eu compreendi

que já não posso mais viver sem ti,
nem apartar-me dos carinhos teus!




BARCOS

Regina Coeli 

Largados sobre a areia sem um norte,

Ardem ao sol. E em noite enluarada
Desprendem do seu casco apaixonada
Vontade de viajar sem passaporte.   

Cada um é uma estátua ensimesmada

Olhando o infinito atrás de sorte,
De peixe e vento, relembrando a morte
À espreita em cada vaga disfarçada. 

Tão tristes barcos, sôfregos de mar,

Remos ao largo, vivem imaginando 
Em vez da areia, as ondas no alto-mar...  

Barcos que anseiam água... e nós ansiando

Ávidos barcos para em nós salvar
Sonhos perdidos, quase se afogando...  


ANCORADOURO

Humberto - Poeta 

Ah, esses barcos... Se um dia me fosse dado

riscar desta existência as amarguras,
eu te daria a paixão que hoje procuras,
sem talvez teres noutro alguém achado!

Abraços, beijos e outras mil venturas

mescladas de carinho e de pecado,
desfrutaríamos ambos, lado a lado,
livres da farsa de enganosas juras!

Ah... Quanto, meu amor, quanto eu quisera

soltar ao vento as velas da galera
deste meu barco solitário e torto!

Vencer um mar de escolhos e sargaços,

fazer do ancoradouro dos teus braços
o meu tranquilo e tão sonhado porto!




EM MIM

Regina Coeli 

Em suave outono, em mim fazia frio,

E minh´alma sozinha e atormentada
Se escondia na densa madrugada
Chorando a sua dor e o seu vazio. 

E sorrateiramente um arrepio

Estremeceu-me a lida já cansada
E em meu jardim a flor despetalada
Sonhou em reviver na terra em cio. 

Se o vento fez-me flor caída e triste,

A brisa hoje bafeja e a mim eleva
No amor a despertar o que ainda existe... 

Ó meu amor, ó minha luz na treva,

Cuida esta flor, que o tempo passa e insiste 
Em te fazer meu sol, quando em mim neva!...


RECONCILIAÇÃO

Humberto - Poeta 

Eu também sinto o vago desse outono

trazer-me à mente as mais sutis lembranças
do teu amor, do qual senti-me o dono
a transbordar de sonho e de esperanças. 

Na mesma mágoa em que a sofrer te lanças

amiúde vêm-me uns laivos de abandono,
de frustrações e de desesperanças
a me privar até do próprio sono. 

Antes que o inverno em glacial aragem

dilua em nós a doce e suave imagem
daquele amor que um dia a dois sonhamos, 

tornemos logo sim, àquela antiga era,

pra reacender o sol da primavera
que por arrufos tolos apagamos!




A ROSA RESSURGIDA

Regina Coeli  

Pendia a flor do galho e olhava o chão

Tão tristemente a recordar um outrora
Fragrante e colorido,  não o agora
De um viço adormecido em escuridão. 

As pétalas sentiam solidão
À maciez de fresca e bela aurora
E ressequiam a cada nova hora
Sedentas dos olhares de paixão. 

Fosse eu uma rosa rubra e bela

A te encantar no abrir da tua janela,
Eu me faria ardente ao sol se pôr 

Pra dar-te amor... Mas sou aquela rosa

Que anseia orvalho pra ficar lustrosa,
Mas vive em terra que lhe tira o ardor...


REAÇÃO

Humberto - Poeta 

Pendias qual rosa enferma para o chão,
fanado o viço e desmaiada a cor;
nada lembrava o angélico esplendor
daquela olente flor que eras, então.

Cálice, pétalas... Desolador
era o retrato da tua prostração;
nem o sopro da fresca viração
amenizava tão mortal torpor.

Mas eis que em meio a tão cruéis ensejos
me aninho às hastes débeis dos teus braços
quase mortos de amor e de desejos!

E então renasces dos letais cansaços
no úmido rocio dos meus beijos,
e ao tépido calor dos meus abraços!



PARCEIROS EM OUTROS POEMAS
Regina Coeli  e Humberto-Poeta




DEIXASTE-ME...
Humberto- Poeta

Só, no quarto, depois de em teu poema
os olhos ter pousado ao me deitar,
eu senti n'alma aquela ânsia extrema
de que ao leito inda viesses me abraçar!

Teu calor era tanto, e a cama fria,
assim como gelada é a solidão
desta saudade que ora me angustia
de ter-te longe do meu coração!

Tudo é triste depois que me deixaste
sem compaixão e sem qualquer clemência...
Meu coração num trapo transformaste
curtindo a dor de tão amarga ausência!



DEIXASTE IR...
Regina Coeli

Sofrer a triste falta de um abraço,
Que em ânsias se queria, e não se tem...
De um poema restar só leve traço,
Porquanto a essência evaporou também...

Será tanto mais fria e tão vazia
A cama sobre a qual deita-se a culpa
De se tratar o Amor à revelia,
E ter pra ele sempre uma desculpa...

Se é dado o livre arbítrio ao Ser Humano,
Absoluto no que diz e faz,
Terá que conviver com o desengano
De perder quem do Amor se ri e desfaz...

Reflete e vê por que rompeu-se o laço,
Revoga posições, pede perdão...
Aprende a ser humilde no teu passo,
Vai atrás dela e mata a solidão!




CASINHA DE BARRO
Regina Coeli e Humberto - Poeta


João-de-barro, ó joão-de-barro,
Passarinho construtor
Constrói casinha de barro
Pra eu morar com meu amor.

Mas constrói essa morada
numa árvore altaneira;
que pro mar fique virada
no alto de uma paineira.

Faz pra mim o favorzinho
De pôr teto no meu sonho
Que vive, só, sem carinho
E com ar sempre tristonho.

Isso é uma bobagem dela,
não te fies no que ela diz,
pois nessa casa eu e ela
teremos um lar feliz.

Uma casa na paineira
Quem sabe no flamboyant
Pode ser na goiabeira
Ou num galho de romã. 

João-de-barro, eu percebi 
que ela está com brincadeira,
já que fui eu que escolhi
o galho de uma paineira.

Até pode, ó amiguinho,
Ser numa bela roseira,
Que perfume com espinho
É coisa da vida inteira.

Mas fica calmo e não liga 
para espinho ou rosa alguma,
pois em casal que não briga
não acho graça nenhuma.

Nessa casa vou ficar
Esperando o meu amor
E à noite, à luz do luar, 
Dar beijo cheirando a flor 

Como pudeste notar,
minha cândida avezinha, 
foi só o espinho eu aceitar
que ela já ficou mansinha.

Meu passarinho operário
Faz uma casa singela
Um ninho, um quase sacrário,
Não te esqueças da janela... 

Ela está certa, a janela
não podemos dispensar
pra ouvirmos, juntinhos nela,
a voz  plangente do mar!





O TREM DE FERRO
Humberto - Poeta

Pra viajar eu nunca erro, 
não quero avião nem barco,
pois no velho trem de ferro
com meu amor eu embarco. 

Bem juntinhos eu e ela
começamos a viagem;
vira um cinema a janela
que vai filmando a paisagem! 

E mais tarde, ao restaurante,
eu a levo pela mão
comer algo estimulante
para o corpo e o coração. 

Até num trem bem simplório
há momentos de esplendor,
pois no vagão-dormitório
recrudesce o nosso amor! 

Para um casal que se afina,
que se ama e se quer bem,
pro amor não virar rotina,
bom mesmo é viajar de trem!


O TREM DO AMOR
Regina Coeli

Poeticamente faceiro,
um trenzinho vai tirando
dos trilhos o amor brejeiro
que o verso vai apitando...

As serras rindo pro céu
e o sol nadando no rio,
num vagão um menestrel
dá vida ao papel vazio.

Dedicados à amada
madrigais com estribilho
 bailam, doces, em toada,
como o trem faz com seu trilho.

O serpentear do trem
afaga-lhe o coração,
pois a amada já lhe vem,
subindo noutra estação.

Um trenzinho... bucolismo
sobre os trilhos da emoção,
faz de um casal romantismo
amando num seu vagão! 





DELICADO PERFUME (I)
Regina Coeli &  Humberto - Poeta 

Desejo-te a flor mais bela
Pra enfeitar tua janela
Em noites de bom luar... 
              Tendo por fundo o luar,
              que mais iria desejar
              que uma flor viçosa e bela?

         Que seja aquela florzinha
                Cheirosa e tão mimosinha,
                       Que dá gosto admirar... 
                  Que fosse flor pequenina,
                      um miosótis ou bonina,
                  eu iria gostar dela...

                      Se perfume ela não tem, 
                             Não contes para ninguém,
                             Pois a Vida é mesmo assim.
                               Não guardaria queixume
                          se não tivesse perfume,
                               pois algumas não o têm...

Há flores bem perfumosas,
Folhas verdes, majestosas,
Como é o doce jasmim...
Não vejo nisso desídia,
  pois até a formosa orquídea
    fragrância alguma contém...

Há outras que são meiguinhas,
No jardim são bonitinhas,
Mas aroma eu não senti...
As flores são sempre flores,
da natureza primores,
mesmo olhadas de revés...

Ah, e as flores esquecidas...
Esquecem as próprias vidas
E dão seu perfume a ti...
Mas se queres ser gentil,
da janela ao peitoril,
  eu quero a flor que tu és!





QUIETUDE
Regina Coeli 

Chegaste e percorreste os meus caminhos.
Foste ficando... e a ti me acostumaste
Como a flor que se agarra a uma haste
Ou passarinhos ao calor dos ninhos.

Permaneceste junto aos desalinhos
De sombra e fé perdida em que me achaste,
Fui te sentindo um nó ao qual me ataste,
Sorvendo-me os momentos tão sozinhos...

Fizeste-me um alguém acompanhado
Com teu silêncio manso a me escutar
O coração doído e apaixonado...

Quando a saudade quer comigo estar,
Digo a ela que ficas sempre ao lado,
Ó solidão, amiga a me abraçar!



SOLITUDE
Humberto - Poeta 

O coração maltrata-nos deveras,
quando vem sobre nós a solidão, 
e inúteis fazem-se as vazias esperas 
do alguém que toca o nosso coração! 

É ter no peito uma esperança morta,
dentro d’alma sentindo o amargo frio
das mágoas escondidas pela porta 
de um quase tumular quarto vazio! 

Que não te vençam nunca esses cansaços,
nem aos teus sonhos dês tristonho adeus...
Quem sabe se em teu quarto um dia os meus braços 
possam felizes se abraçar aos teus?




DANÇAR... 
Humberto - Poeta  e Regina Coeli

Dançar... Contigo bailar... 
é um raro deslumbramento 
que nos permite galgar 
a escada do firmamento!

Dançar contigo... é o que quero...
Me enroscar entre teus braços
Sentir-me nos teus abraços
Ao som de lindo bolero.

Ao flutuar numa dança,
desfazem-se os contratempos;
nas nuvens o amor nos lança
tal e qual nos velhos tempos.

Flutuar no teu compasso
Deixar-me levar no tempo
Da dança sem contratempo,
Perdendo-me no teu passo...

De um bolero no floreio,
contigo em paixões desperto,
pois reacendo o antigo anseio
de sentir-te assim tão perto.

Querer de ti só paixão
A inebriar-me os sentidos,
Deixar de lado a razão,
Ao ter tua voz aos ouvidos!

Em teus braços também quero
reviver o antigo gosto:
ao compasso de um bolero,
colar no teu o meu rosto!

Deslizar por toda a pista
Teu rosto colado ao meu
Um bolero, uma conquista,
Meu amor querendo o teu... 

Ao dançar nos vêm à face 
rúbeos ardores tiranos,
como se a gente voltasse
ao verdor dos vinte anos!

Ao sabor dos vinte anos,
Tanto amor pra gente amar...
Não pensar nos desenganos
Do sonho após se acordar!





ALUGA-SE
Humberto - Poeta

Aluga-se um coração,
não tão novo, mas usado;
bom arranque na paixão,
pois se encontra em bom estado.

Só há nele uma falha rara
a exigir-nos revisão:
é na marcha, que dispara
se há um amor na contramão.

É bom, e bem razoável
o estado da lataria;
e o desempenho é agradável
seja à noite, seja ao dia.

É excelente a ocasião
de fechar negócio certo.
Pra tratar da transação
ligue rápido pro Humberto.



LEASING
Regina Coeli 

A quem possa interessar
Falo de  uma operação
Que é bem mais do que alugar,
Pois tem fins de aquisição.

Desejo testar um bem
Em perfeito ou bom estado
Por um ano ou pouco além
Conforme o seu resultado.

Esse bem é um coração
Que ame sem descaminhos
Que pulse na contramão
De uns atalhos bem sozinhos.

Se esse produto aprovar
Compro-o no prazo final,
Mas se for mero enganar
Conto tudo no jornal!




QUE MAIS POSSO DESEJAR...
Humberto-Poeta e Regina Coeli

Se passeamos pela rua
e vejo o prata da lua
em teu cabelo pousar...
Se o teu olhar a luzir
vem no meu se refletir,
que mais posso desejar?

Na imaginação, passeio!
E se a cada novo anseio
Vejo da noite o luar
Prateando amorosos sonhos
De unir cabelos risonhos,
Que mais posso desejar?

Se contigo vou de braços,
se afogam-me teus abraços
me fazendo suspirar...
Se teus lábios dão-me agora
um beijo que me devora,
que mais posso desejar?

E a ti, contente, me abraço
Faço um nó nesse meu laço,
Pra nunca desenlaçar...
Se meus lábios ofereço
Aos teus, e me desvaneço,
Que mais posso desejar?

Se depois de tantos beijos,
explodem em nós desejos
que não podemos frear...
Se em meus braços, já feliz,
me incentivas para o bis,
que mais posso desejar?

Carente só dos teus beijos,
Que beijam os meus desejos,
A mim resta suspirar...
Se o que vem logo em seguida
É tudo o que eu quis da Vida,
Que mais posso desejar?




MINHA CASA
Humberto - Poeta  e  Regina Coeli 

A minha casa eu adoro,
pois tem tudo o que me baste;
no jardim vejo e namoro
duas rosas na mesma haste!

Minha casa é um terno lar
E nela me sinto bem
Desde o dia a despertar
Até quando a noite vem. 

Quando do meu micro canso
os dois olhos já purpúreos,
na lavanderia os lanço
nas samambaias e antúrios.

Das tarefas rotineiras
Eu descanso num olhar
Aos verdes das ribanceiras
Com pedras a se enfeitar...  

Na horta a toalha liberto
das migalhas que em  si traz,
e ali fica o campo aberto
aos bem-te-vis e sabiás!

Da goiabeira tão bela
Voam pra lá e pra cá,
Pousando em minha janela,
O bem-te-vi e o sabiá!  

No domingo, um dia de gala,
dou à casa novas cores,
da feira trago, e na sala
coloco um vaso de flores.

As flores com seu encanto
Dão vida ao lado de fora,
Mas na casa há desencanto
Por não ter nenhuma agora...

Mesmo assim vejo tristeza
na casa que eu gosto tanto...
pressinto nela a frieza
de algum vago desencanto...

Na arruaça das rolinhas
Que brincam no meu quintal,
Disfarço as horas sozinhas
Que me fazem tanto mal...

E por senti-la algo triste,
me disponho a interpelá-la
se alguma coisa ainda existe
com que eu consiga enfeitá-la.

Sinto minha casa triste,
Pois nela esplendor não há,
Lá fora o calor existe,
Mas o frio cá dentro está...

É então que adivinho nela 
aquilo que há tanto quer:
que eu traga outra vez pra ela
um sorriso de mulher! 

Se tua casa  sorriria
A um sorriso de mulher,
A minha se alegraria,
Se viesse o alguém que ela quer!





ROSAS DE UMA ROSA
Humberto - Poeta 

Das coisas boas da vida,
uma das mais preciosas
é ter, da mulher querida,
tão linda penca de rosas!

Brancas, róseas, áureas, rubras,
vivas, suaves e olorosas,
não creio que um dia descubras
a paixão com que amo as rosas!

Regina, por me supores
merecedor das tuas rosas,
imagina eu ter tais flores
de mãozinhas tão mimosas!

Perdoa-me a comparação
ao ver flores tão viçosas:
teu precioso coração
é mais formoso que as rosas!


SÃO ROSAS...
Regina Coeli  

Rosas, Meu Poeta, tão belas,
São prenúncios de ventura
Que entram por tuas janelas
Do meu jardim de ternura!

Rosas regadas a Amor,
Dos botões à flor-mulher,
São como pencas de olor
Perfumando quem se quer...

Rosas tantas, tantas cores!
Do sol os raios chamegam;
Na chuva apagam ardores;
À lua e ao luar se achegam...

Pega, Humberto, as tuas rosas!
Dentro de mim cultivei-as
E, no tempo, tão cheirosas...
(Dou-tas!) E de Amor... tão cheias!





JOGO PERDIDO
Regina Coeli  e Humberto - Poeta 

Deixei que te pendurasses
Na parte firme de mim;
A melhor das minhas faces
Mostrei-te em belo carmim.

O charme com que me brindas
já tem encantos sem fim;
pois tuas faces já são lindas,
não precisam de carmim!

Abri pra ti meu espaço
E te fiz bela canção;
Luzi meu olhar tão baço
Com a luz do coração...

Bela canção me ofertaste,
em notas tão maviosas,
que da terra me elevaste 
para além das nebulosas! 

Pisoteaste meu canteiro
E mataste a minha flor...
Se pra mim eras primeiro,
Muitas tinham teu amor...

Não sei por que estranha lei 
nutres mágoa contra elas,
pois o amor com que te amei
jamais dei a qualquer delas!

Lembrei-me de uma canoa
Da qual eu pulei um dia...
Bonita, e podre na proa,
Muito mais do que eu sabia...

Se era podre essa canoa
da qual teu ser se safou,
esse alguém te amou à toa,
ou talvez jamais te amou. 

Canoa, canteiro, nada
Vai te fazer entender
Que eu caí numa cilada
Armada pra te prender.

Não creio, nem boto fé
nessa confusa charada: 
que tenhas te feito ré 
da tua própria cilada! 

Sem ter vindo, foste embora
Num jogo que se repete:  
Foste o minuto sem hora
Que eu perdi na bola sete!

Sem ter vindo ir-me embora,
é estranho o bilhar da vida;
então te proponho, agora,
jogarmos nova partida! 





DELICADO PERFUME (II)
Regina Coeli  e Humberto - Poeta

Quero ser a tua flor
Pra inebriar-te de amor
Nas noites de alvo luar...
        Se a minha flor queres ser,
   eu também almejo ter 
   seu olente trescalar...

Quero te dar meu perfume,
Mas outra flor, por ciúme,
Diz que tu vais te enjoar...
Creio que a outra flor se engana,
pois do olor que de ti emana
jamais irei olvidar...

Quero te ver da janela
E te amar através dela,
Meu doce conquistador...
A sacada escalaria
e a tua janela abriria,
malgrado o risco da altura...

De dia, dar-me-ei ao sol
E à chegada do arrebol
Será linda a minha cor...
Deixa o sol, fica comigo,
pois desejo haurir contigo
mil nuances de ternura!

Roubarei brilho ao luar
Pras pétalas enfeitar
Cada uma de per si... 
Do luar já tens o brilho,
das estrelas o rastilho
e da brisa os rumorejos...

Então sonho, é meu desejo
Deslumbrar-te com meu beijo,
Gravando meu cheiro em ti...
Dão-me ensejo, tais espaços
de aspirar, preso aos teus braços
o perfume dos teus beijos!





THE END
Humberto - Poeta

Se um ao outro não entende,
é melhor nós colocarmos
no nosso filme um The End!



THE END
Regina Coeli 

Começo e fim. Do início até o final,
Tudo passa. E passando pela Vida,
Tu e eu nos despedimos, sem partida,
Sonhando já um reencontro triunfal...

Como uma flor de aroma virginal
A se extinguir em cor esmaecida,
Também o ardor de uma paixão sentida
É chama a se perder. É natural...

Mas a raiz do amor não vê talvez
E a ele, o amor, feliz ela se prende,
E assim vive no excesso ou na escassez...

Isso é o amor - termina com um The End
Num filme que se a gente não entende,
Volta-se pra assisti-lo uma outra vez!





LIBERTAÇÃO  /  LIBERTA-ME! 
Humberto - Poeta e Regina Coeli

Sussurrarei juntinho aos teus ouvidos
a mais bela orquestração do meu cantar...
Pela mulher que embriaga os meus sentidos
eu jamais passaria sem notar.

Te esperarei, sentidos bem atentos,
Quem sabe um simples som de ti ouvir,
Uma palavra... ou som de um colibri
A farfalhar em mim os teus momentos...

Do cativeiro que hoje me angustia
eu hei de um dia me fazer liberto
pra seduzir-te com ânsia e ousadia
amar-nos frente a frente, bem de perto!

Ah, triste solidão em cativeiro
À espera de quem venha me soltar
Das grades que me inibem, por inteiro,
De a um grande amor eu, plena, me entregar...

Pela ânsia que tenho de te amar
jamais poria no mar os meus instintos,
pois meu sonho é que os possa um dia guardar
no cofre dos teus íntimos recintos!

Ao mar eu emprestei os meus desejos,
E a ele voltaria pra buscá-los
E ardentemente ousá-los, como beijos,
No corpo de quem sonha os meus regalos...

Esses desejos que o teu ser não vence
e que em teus versos, afinal, confessas
têm algo que me anima e me convence
de que não faltarás às tuas promessas.

Estou vencida, a ti me rendo, amor!
Pra ti são os meus versos, é o que tenho,
Neles sepultarei tudo o que for
De mais belo e febril a que me atenho...

Falar de amor, se nem amantes somos
é supor-me no céu do teu abraço,
é sentir a textura dos teus pomos
me agasalhando ao céu do teu regaço!

Se fiz da minha noite doce amante,
Fingindo dela o que eu queria teu,
Ainda devo sonhar algum instante
Em que não sejas de outrem, mas só meu?...

És tu a realidade a que me enlaço,
princípio, meio e fim dos meus desejos,
a ansiar a perdição do teu abraço
e a chama ardente dos teus loucos beijos!

Se tens como me ouvir o triste canto,
Vem, vem... e me liberta, em desvarios,
Das grades que me enjaulam, doce encanto,
De ter-te no mais lindo dos meus cios!




PROPOSTA
Humberto - Poeta 

Vem comigo, que fico a te aguardar,
pois teu recado claro e persuasivo
dá-me a ventura de poder sonhar
coa dona de um apelo tão incisivo! 

Se confessas que um novo alguém tu queres
pra aliviar tais ânsias, tão ardentes, 
te aceito, pois são raras as mulheres
desinibidas, livres, transparentes! 

Ah, como é bom achar alguém assim,
que ame sem pejo, sem pueris rubores, 
que os seus desejos satisfaça em mim,
livre das normas de infantis pudores! 

Vem, teus prazeres quero ansiosamente
degustá-los todinhos, um por um, 
depois possuir-te tão intensamente
como nunca te amou homem algum!


CONTRAPROPOSTA
Regina Coeli

Vem comigo, que a tarde nos espera
pra desfrutá-la enquanto o sol se põe
no etéreo acalentar de uma quimera
que invade a alma e dela bem dispõe.

Aceita estes meus sonhos estelares,
Abraça-me e deitemos pelo céu
Nas nuvens que saúdam-te, ao passares,
Quais camas de algodão cheirando a mel...

Sem pejo, sem rubores, só desejos
De, em êxtase, sentir o que é o prazer;
Sem tato, só o olhar sonhando beijos
Que um dia se farão por merecer,

Convido-te a amar um tal amor
Que puro, em tão sublime transparência,
Penetre a tua terra qual uma flor
E te perfume com a minha essência!




Glosa a um mote do poema "Espectro", de Regina Coeli

Se fui... se sou... nada sei
Talvez seja o que sobrou
Vivendo herança sem lei
No resto que me abraçou...

Se fui... não sou... nada sei
do que fui numa outra vida;
ter sido vassalo ou rei,
pouco importa ou me intimida.

Se tal tempo a mente turva,
talvez seja o que sobrou
de uma estrada reta ou curva
que a outra vida me deixou.

Sorri, sim, também chorei
à custa de mil desvelos,
vivendo herança sem lei
 sonhos tive e pesadelos!

Só a quem amei dei abraços
com a ternura a que me dou;
estão, pois, os meus fracassos
no resto que me abraçou! 

(Humberto - Poeta)



Glosa a uma trova de Humberto - Poeta

Nessas rosas em que espelhas
teus delicados primores,  
meu amor, tu te assemelhas 
a uma flor me dando flores!

Nessas rosas em que espelhas
teu perfume e tua cor,
há um exército de abelhas
tornando em mel teu amor. 

Sinto em tão doce fragrância
teus delicados primores,  
pinçados com elegância
das rosas em belas cores. 

Se o telhado tem nas telhas
instrumento pra abrigar,
meu amor, tu te assemelhas 
a pérgula a perfumar. 

Teu doce encanto me eleva
a jardins encantadores;
comparo-te - luz na treva -
a uma flor me dando flores!

(Regina Coeli)




A ÚLTIMA NAMORADA
Humberto - Poeta 

Já vem descendo sobre mim o outono
desta existência de gentis primores,
quando fui presa e ao mesmo tempo dono
de inesquecíveis e sutis amores!

Quantas premi de encontro aos lábios loucos,
num fervilhar de anseios e arrepios;
paixões que agora vão tornando, aos poucos,
meus dias de sol cinzentos e vazios!

Mas neste inverno de uma vida finda,
que me aproxima da eternal morada,
no anonimato eu sei que me ama ainda
a minha derradeira namorada!

O nosso amor secreto é uma benesse,
pois nunca teve algo em comum comigo;
só dela espero o mimo de uma prece
e o ramo de uma rosa em meu jazigo!


A ÚLTIMA PARCERIA
Regina Coeli

Também se queda sobre mim o outono,
Mas um infinito olhar ao pé de mim
Traz primavera ao que será meu fim
E um terno luar a me velar o sono. 

Deixar que a mansa brisa me conduza
Por entre estrelas... para eu sonhar
Os versos que me façam doce musa
No azul de um céu com anjos a cantar!

Sepultada na terra a parceria,
tua e minha, em estrofes amorosas,
Há-de ficar em mim a fantasia
De ver desabrochar do chão mil rosas

A se erguerem aos Céus em oração,
E a debulharem pétalas de Amor
(Semeado no sentir do coração)
Sobre os jazigos que cantaram a Flor!





PERFUME DE PARCERIA



Meu Poeta Humberto,
Minha Poetisa Regina, 

Glorioso é ganhar vida a seca rosa
no verso úmido e belo de um poeta,
Se na estrofe desponta, tão secreta,
fonte de amor que a torna flor viçosa. 

O mérito a tão belo despertar 
não ao vate se deve conferir,
mas sim a rosa aplausos tributar
por seu alto poder de reflorir! 

Pudesse toda a flor raiar o dia
com verso decantado à sua cor!
Ressurgiria em tom encantador
no orvalho puro e santo que a sacia... 

Quão venturosa deve ser a sorte
de ao plúmbeo céu dessas manhãs ranzinzas
ver, num vigor de renovado porte,
a bela rosa renascer das cinzas!

Se do poeta, tão fina flor do verso
tremesse de paixão no abraço à rosa, 
ela seria rubra e esplendorosa
ainda que o chão lhe fosse o mais adverso. 

Embora exista chão impróprio à sega, 
não há terreno sáfaro a uma flor
quando de afetos há um alguém que a rega
e dá-lhe o adubo de um sincero amor. 

Então, poeta, responde a esta flor:
se é tua a minha pétala sentida,
é meu o verso que me faz querida
e nele, só por mim, reténs amor?  

Respondo, sim, e aqui não desconverso,
pois me perquires com ternura e amor:
eu tanto adoro o teu charmoso verso
quanto idolatro tão formosa flor!





Quando o Tempo apagar minhas pegadas

Das vias de lembranças suspirosas,

Quem sabe, entre as memórias dissipadas, 

Me sintas no perfume dessas rosas?...


 (Regina Coeli)



Essas rosas que expões ao meu olhar

são tão viçosas, meigas e tão belas

que quando a tua saudade aqui aportar,

sentir-te-ei na fina essência delas!


(Humberto - Poeta)






EXTRATO DE PARCERIA
(por ILKA VIEIRA)



Embora a imaginação não tenha limites, somente através dela é possível idealizar lugares, situações e sentimentos poéticos.

CARINHOSO é fino extrato de uma envolvente parceria. É um frasco de cristal dos mais delicados que guarda o blend que deu certo no casamento dos versos de Regina Coeli e Humberto-Poeta. Na alquimia dos aromas, nem sempre as misturas inebriam, mas isso não acontece neste e-book CARINHOSO. Se os olfatos já se rejubilavam ao sentir o aroma de cada um desses dois poetas, sensibilizar-se-ão ainda mais diante da mistura que se impregna nos tecidos da alma de quem aprecia a boa poesia vertida do trabalho febril e sôfrego dessas quatro mãos a se darem versos irretocáveis em parceria.

     Por certo este e-book é um perfume que se desprende das letras para definitivamente transmitir os momentos em que, juntos, Regina e Humberto mergulham em carinhos poéticos de forma abraçada, calorosa, romântica e amorosa, assim marcando no tempo a fragrância do seu sublime enlace.

No ar um perfume permanece menor ou maior tempo dependendo do zelo que se tem com o frasco que lhe guarda a vida; se adequadamente cuidado o frasco, o perfume perdurará  e tornará a inebriar. Caso contrário, evaporará completamente. 

     Para desfrutar inteiramente dessa essência, o leitor precisará se desfazer dos vínculos materiais e preconceituosos que o prendem ao mundo real e deixar-se levar plenamente pelo enlevo da imaginação, lembrando-se de que, por não ter limites, ela, a imaginação, permite que tudo aconteça.

Convido-os, pois, a reler, se preciso.
Tenham todos muito olfato.


Ilka Vieira
Rio de Janeiro, RJ, 12 de fevereiro de 2012.






3 comentários:

  1. Parceria, conexão, empatia, doação... Perfeito entrosamento em versos que vocês, poetas, Regina e Humberto, conseguem com maestria. Há um brilho único em cada verso, uma estrela em cada estrofe, um universo em cada poema. Sentir toda a pureza dessa dança de palavras meigas é elevar-se a quase um céu.Parabéns, Poetas! Que esta obra seja imortalizada!

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  2. Humberto Rodrigues Neto14 de janeiro de 2015 às 07:22

    Monumental, Regina! Fantástico o que apresentam de belo esses “Laços em Versos”, mormente quando focalizam “Carinhoso”, onde nós dois temos a oportunidade de externar nossos sentimentos sob as mais diversas formas de poesia. O próprio Prefácio, que sabiamente colocaste aos cuidados de Cleide Canton, já é uma relíquia literária pela perícia com que ela desenvolve, num português escorreito, todos as emoções que a envolveram ao tomar conhecimento de nossos recíprocos sonetos, poemas, trovas, entrelaces e duetos. Surpreendente, sob todos os aspectos, a análise que ela faz de nossa performance no preparo do material que constitui a matéria prima de tão absorvente trabalho! É, lindo, é realmente lindo ler o que ela escreve!

    Quanto aos poemas que ambos compusemos em parceria, não querendo legislar em causa própria, temos de reconhecer que refletem cristalinamente os nossos sentimentos, pois ajustam-se uns aos outros com uma simetria quase matemática! Às vezes até me ponho a pensar em como fomos capazes de passar para o papel versos tão bem ajustadinhos, espontâneos, brotados do mais recôndito intimo de nossa sensibilidade!

    Mesmo em poemas mais leves, que não tinham o amor por tema, como no dueto “Aluga-se / Leasing”, a jovialidade das trovas nos faz rir pela graça que nos causam ao relê-los.

    É de notar-se, outrossim, a técnica com que desenvolvemos até mesmo poemas versando sobre paixões mais fortes, como em “Libertação / Liberta-me”, e em “Proposta / Contraproposta”, cuja linguagem moderamos para evitar degenerassem para o burlesco ou descambassem para o vulgar, como sói acontecer em poemas do gênero.

    E para fechar com chave de ouro tão estupenda obra, que outra coisa poderíamos desejar de mais maravilhosa senão um Posfácio irretocável de autoria da querida e saudosa Ilka Vieira, que chamou a si, também, a tarefa da deslumbrante formatação gráfico-musical com que valorizou sobremodo este delicioso amálgama de versos teus e meus.

    Resumindo, “Carinhoso” contém aquele tipo de leitura que a gente, mesmo no adiantado da hora, não quer parar nunca face ao encantamento quase sobrenatural a que nos sentimos subjugados quando nos cai às mãos algo que realmente nos embevece e fascina!

    Carinhosamente,
    Humberto Rodrigues Neto (Humberto - Poeta)
    São Paulo/SP


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  3. Parabéns poetas pelo deleite que nos proporciona a leitura dessa obra.
    Aos amigos queridos muitos aplausos acompanhados do meu melhor abraço.

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