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segunda-feira, 28 de junho de 2010

A Cor da Poesia



















Guarda a paleta em sílabas ardentes
O tom do verso em letra colorida
De azul pintando em tônicas a vida
A misturar lampejos reticentes...

A rima sai em busca de suas lentes
Derrama luz na tela reacendida
E nasce a estrofe em cores concebida
Das ondas indo e vindo, inconsequentes.

A lua branca aponta na janela
Graciosamente empresta o seu balanço
Às letras bocejantes da aquarela...

E a poesia entoa um hino manso
Em sinfonia àquela meiga tela
Que declamou o mar em seu remanso.

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

Velha Goiabeira



















Quando cheguei
Já te encontrei
Árvore limítrofe
Te conservei
Não te cortei

Teu fruto saboroso comi
(Trabalho teu de muito tempo, refleti)
Com pássaros vários dividi
Pardal, sabiá, sanhaço e bem-te-vi
Dos galhos que iam para a casa ao lado vi
Serem colhidos os teus frutos, até assisti...
"Frutos que vão virar doce", da vizinha ouvi;
Pouco depois, cheiroso aroma senti.

Época dos frutos acabada,
Tua função dadivosa então terminada,
Eis que ouço a voz da tal vizinha, alterada:
Reclama de tuas folhas lá caídas, enfezada...

Aquela que tomou os frutos dos pássaros
— e se deliciou —
Aquela que desfrutou do teu trabalho
— e se regozijou —
Aquela que fez doce do teu fruto
— e se lambuzou —,
Volta-se contra ti, operária silenciosa,
Que nunca se importou
Em ofertar frutos que, sem nada pedir
Em troca, doou.

Perdoa, minha velha goiabeira, perdoa
Perdoa aqueles que nunca te amarão
Esquece, por favor, o insulto que atordoa,
A incoerência, o desamor e a ingratidão.

Querida árvore, mãe de frutos e de Vida,
Perdoa os cegos e insensíveis
— aqueles que não vivem, jazem.
Curvo-me a ti, grata, mãe obreira, mãe querida,
Perdão, mãe-árvore, "eles não sabem o que fazem!”


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Fé Roída



















Encontros amorosos e felizes
Deixam fragrância ativa pelo ar
Nas doces gotas de um intenso amar
Feito perfume em todos os deslizes.

Se um se vai, derramando tristes crises,
A madrugada lenta em seu passar
Testemunha um saudoso acariciar
Da almofada estampada em mil matizes.

E a dor massacra tão intensamente
Aquela que deu tudo e, sem um nada,
Descrê até do desamor que sente...

E se o cheiro impregnado na almofada
Sumir, um dia, assim completamente,
Sentir-te-ei na lembrança recordada...


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

Escaninhos do Coração


















Cheguei a me perder nos teus caminhos,
No emaranhado tinto das tuas vias...
Em tuas veias e artérias tu batias
Sentimentos variados e sozinhos.

Achei que tu seguias descaminhos,
Descaminhando sonhos em folias,
Te aventurando a novas cercanias
Em travessia para outros ninhos.

Achei-te vil, volúvel e imoral,
Coração meu, aberto ao que eu não via,
E perguntei se achavas natural.

Me respondeste: sou a utopia!
Me faço de escaninhos, coisa e tal,
Partículas do Amor, juntas um dia!


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

A Flor do Balde


















Abril chegou trazendo as flores dela,
Da Hymenocallis, tão pomposo e lindo
É o seu nome, e um florir que traz infindo
Prazer de um suave quadro em aquarela...

Monet a pintaria, vendo-a bela
Num amanhecer em cor se entreabrindo,
E líricas nuanças se esvaindo
Do caule que conduz a vida nela...

Nada menos que um vaso de cristal
Pra espargires do centro ao arrabalde
Teu todo de beleza angelical...

Esforcei-me por dá-lo a ti debalde,
E louvo a tua fragrância matinal
Brotar do coração de um simples balde!

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

Vida e Morte





















Débil réstia, um quase podre fio;
Um apagar de luzes claudicantes,
Como se fora o adeus de dois amantes
A um último suspiro no vazio...

É quase fim... E a dor, num arrepio,
extingue a sensatez dos meus instantes,
Tão distorcidos frente ao que era dantes,
E me lança num vácuo tão sombrio...

A existência se faz dos dois extremos
De um fio que apodrece a cada dia
Ao longo da jornada... E não o vemos...

Se numa ponta a Vida se inicia,
Na outra, um fim, que ao certo não sabemos,
Nos traz a Morte, angústia viva e fria!

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

Amigo, Uma Flor!


















Amigo, que bom é tê-lo
E tratá-lo com o desvelo
Que um bom Amigo requer;
Passem minutos e horas,
Haja esperas e demoras,
Um Amigo é o que se quer!

Havendo amor imperfeito,
Que causa dores no peito,
Um Amigo há de chegar,
Trazendo a flor da palavra,
Um verso da sua lavra,
Querendo nos levantar!

Mas se esse Amigo é que for
A causa da dor de amor,
Então a coisa complica...
O que, então, posso dizer
(Sem, contudo, resolver),
A Vida também explica:

Entre um amor solitário
(Que não vê destinatário)
E um bom Amigo... e fiel,
Fiquemos com o bom Amigo!
(Mas o amor eu não maldigo,
Que é doce/amargo de mel!...)


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Gotas de Chuva





















Enquanto a água escorre por calçadas
Lavando as impurezas e o seu pó
Lavo de mim tristeza fria e só
Em letras gotejantes e suadas...

Saio do chão das minhas invernadas
De entulhos bolorentos do meu dó
Agarro a luz na corda de um cipó
E busco iluminar-me nas passadas...

Saio na chuva navegando as águas
Caídas pra emprenhar a Natureza
Até nas gotas vivas sobre mágoas...

Gesto no tempo versos na certeza
De umedecer minhas sentidas fráguas
Parindo, em chuva, gotas de Beleza!

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

Dormindo (Olavo Bilac) - Acordando (Regina Coeli)



















De qual de vós desceu para o exílio do mundo
A alma desta mulher, astros do céu profundo?
Dorme talvez agora... Alvíssimas, serenas,
Cruzam-se numa prece as suas mãos pequenas.

Para a respiração suavíssima lhe ouvir,
A noite se debruça... E, a oscilar e a fulgir,
Brande o gládio de luz, que a escuridão recorta,
Um arcanjo, de pé, guardando a sua porta.


Versos! podeis voar em torno desse leito,
E pairar sobre o alvor virginal de seu peito,
Aves, tontas de luz, sobre um fresco pomar...
Dorme... Rimas febris, podeis febris voar...


Como ela, num livor de névoas misteriosas,
Dorme o céu, campo azul semeado de rosas;
E dois anjos do céu, alvos e pequeninos,
Vêm dormir nos dois céus dos seus olhos divinos...


Dorme... Estrelas, velai, inundando-a de luz!
Caravana, que Deus pelo espaço conduz!
Todo o vosso dano nesta pequena alcova
Sobre ela, como um nimbo esplêndido, se mova:
E, a sorrir e a sonhar, sua leve cabeça
Como a da Virgem Mãe repouse e resplandeça!

Autoria: Olavo Bilac

Na mão do poeta esculpe-se o alvorecer do dia
Na imagem construída, bela e fugidia,
Deitada em saborosas letras de acalanto,

Um verso inteiro em partes de alegria e pranto.
E quando se espreguiça, o verso faz da alma
Pincel estonteante, que a sorrir, acalma,
Pintando em maestria as cores da emoção

De especial paleta que é o coração.
Giram as tintas, voam versos em matizes
Enfeitando mil letras, em seus halos felizes,
Acordando o universo num beijo ao nascer

Da obra-prima que o poeta faz do alvorecer.
A luz em seu sorriso mostra os dentes brancos
Enquanto coloridas flores nos barrancos
Salpicam um olhar, olhos de tanta cor,

À vida ao seu redor, refulgindo em amor.
O sol dourando as folhas da verde palmeira
É o Divino a cingir a humanidade inteira

Num amoroso e terno abraço, que traduz
O lírico poeta, mão que nos conduz
A ler a Vida em verso, em cor de poesia,
Do despertar ao fim de cada meigo dia!

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

Bailarina


















Como rodinhas ágeis e graciosas
A deslizar macias e garbosas
Em movimentos suaves, sincopados;
Pezinhos leves, mansos, delicados...

Nos rodopios, saia balouçante,
Na pontinha dos dedos, saltitante,
Assim me via linda em tua dança
Num palco meu de sonho e de esperança...

No meu olhar, criança embevecida,
Queria ser ao menos parecida...
Ao me pôr na pontinha dos meus pés,
Desajeitada, tudo era revés...

"Dança outra vez pra mim!", eu te pedia;
E tu, rainha em lúdica magia,
Bailavas bela, e aí, sumias, fada,
Numa caixinha em música adornada...

Tu, bailarina em minha adolescência,
Rodopiavas graça e inocência
Em cada passo ao som da melodia,
E me encantavas sempre que eu te via...

Não eram minhas tu nem a caixinha;
Tu pertencias, sim, à mana Binha;
Minha irmã dava corda e tu dançavas...
E eu dava corda ao sonho e o esvoaçavas!
Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Minha Mãe




















Toma-me pela mão, minha mãezinha,
Me leva pela bem-aventurança
Daquele meu tempinho de criança,
Mãe, Bem que já não tenho, e ontem... tinha...

Toma-me pela mão, minha mãezinha,
Me guia pelas vias pedregosas,
Desperta-me paciência e fé frutuosas,
Mãe, Bem que já não tenho, e ontem... tinha...

Toma-me pela mão, minha mãezinha,
Cintila em retidão e dignidade
No teu exemplo, em mim, de seriedade,
Mãe, Bem que já não tenho, e ontem... tinha...

Toma-me pela mão, minha mãezinha,
Ensina esta filhinha, que é metade,
A fazer da tua ausência, amor, bondade,
Mãe, Bem que já não tenho, e ontem... tinha...

Toma-me pela mão, minha mãezinha,
Beija o meu rosto em lágrimas molhado,
Abençoa um serzinho magoado,
Mãe, Bem que já não tenho, e ontem... tinha...

Toma-me pela mão, minha mãezinha,
Meu bem-querer, amada Mãe Maria,
Consola-me, lembrança em dia-a-dia,
Mãe, Bem que já não tenho, e ontem... tinha...

Toma-me pela mão, minha mãezinha,
Leva-me na minha hora de partir
Em voo alado rumo ao meu porvir,
Mãe, Bem que já não tenho, e ontem... tinha...

Toma-me pela mão, minha mãezinha,
Estreita tua menina em teu regaço,
Me envolve o corpo trêmulo em abraço,
Mãe, Bem que já não tenho, e ontem... tinha...

Toma-me pela mão, minha Verdade,
São teus os meus versinhos no teu dia,
Mártir em dores, Mãe de Ouro, Maria,
Minha Mãe, Bem Maior, quanta Saudade...


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

Bordado





















Quando recordo a minha mamãezinha
Bordando um pano pra enfeitar a sala,
Uma saudade, em mim, vem e se instala
Daquele tempo meu de menininha...

Enquanto ela bordava, eu, quietinha,
Olhava minha mãe a admirá-la
Nas suaves mãos de fada a embelezá-la
Gravando em pano o belo que ela tinha...

Magicamente a linha, airosa, ia
Pra aquele pano e lá um sol formava;
Tão encantada, palmas eu batia...

Hoje bem sei que a mãe que então bordava
Usava as mãos bordando em maestria
A educação dos filhos que criava!


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli