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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Depende de Mim (RONDEL)




















Se posso ser um raio ardente no infinito,
Um raio opaco eu não serei. E não vou ser,
Pois que o botão da flor é sempre mais bonito
Ao namorar o sol a cada amanhecer.

Serei pra mim a luz eterna de um nascer,
A lua mansa, os pés pisando o chão bendito;
Se posso ser um raio ardente no infinito,
Um raio opaco eu não serei. E não vou ser...

E se eu quiser ser rosa altiva, quase um mito,
Seja eu botão de mim, a Vida a conceber
O meu pulsar na luz de um sol, sem dor nem grito,
Desabrochando aos céus estrela a resplender,
Se posso ser um raio ardente no infinito!

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Mar Adentro



















Aqui estou, meu mar, pra caminhar as tuas ondas
de desejos ancorados. E as tuas espumas doces
de alfenim arrebentando nas areias sequiosas de ti...

Chego para me dar às águas de um jardim
de deliciosas pétalas, em marolas
que derramas graciosamente sobre mim...

... Ou de impetuosos movimentos teus a
estraçalhar pobres e cansadas canoas
que se entregam a ti para morrerem felizes...

Aqui estou, meu mar. E deposito em ti
o que restou de mim após ter perdido o passo
em terras cheias de buracos e emboscadas...

Trago-te um corpo fremente de emoção
e um espírito serenado nas cantigas
vigilantes das tuas instáveis marés.

Como um passarinho,
pousei no ir-e-vir do sol
e no caminhar cuidadoso da lua.

Percebi e me aquietei.
Semeei-me e colhi a minha flor.
De suas cores me enfeitei.

E hoje,
coração aberto
e meu sonho desperto,
entrego-me a ti,

meu mar,

pra que me ames
macia
ou
vorazmente.

Do jeito
que esperei.


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

terça-feira, 20 de julho de 2010

Torrentes



















Para se amar candidamente, apenas
Se deixe amar numa explosão macia
De cada lágrima que vem, tardia,
Rolando em gozo nas manhãs serenas...

Ainda que só, a debulhar-se em penas,
Poder sentir boa emoção no dia
É como um ópio que atordoa e esfria
O captar, de um filme, as tristes cenas...

Que se ame o amar na completude imensa
De um sonho vivo sem o horror de algemas
A aprisionar a fé em rota crença...

Deixe-se o amor lavrar a fogo os lemas
Que o fazem belo e, em sua justeza, vença
Ele as marés dos Tempos e dilemas!

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

terça-feira, 13 de julho de 2010

Passeando o Amor
























Sabes bem quanto eu te amo, sabes bem
Que nem a chuva forte e fria assim
Fará o amor perder sabor em mim
Ou me impedir de estar aqui ou além...

Se o vento gela e faz sofrer alguém,
O meu amor por ti aquece o fim
De eu me sentir a terra do jardim
Que gesta a flor sagrada que ela tem...

Por isso, amor, o tempo é sempre lindo,
Pois o rei sol projeta audaz calor
Pra que se cuide a vida em nós... sorrindo...

A chuva cai e eu sinto a terra em flor...
Eu... Um botão molhado, à luz me abrindo
Pra ser tua rosa, olor em ti, amor!

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

domingo, 4 de julho de 2010

Espectro




















À solta, pelo ar eu berro
Livre e leve, apenas sou
Tenho a idade que me quero
Em lugar algum estou

Sou o ontem, quase o agora
Sou o amanhã, tempo algum
Sou o minuto, sou a hora
Sou todos, e sou nenhum

Tenho a face desfolhada
E meu brilho é ofuscado
Venci o inverno e a geada
Deixei o viço de lado

Se fui... não sou... nada sei
Talvez seja o que sobrou
Vivendo herança sem lei
No resto que me abraçou...



Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

sábado, 3 de julho de 2010

É Preciso...



















Ver é preciso, muito mais que olhar...
Impreciso é o que fica rente aos olhos...
Que se veja com a alma, sem antolhos,
Para saber exato o que é enxergar...

Abra-se o coração para o sentir...
Aquiete-se a razão por um momento
E emerja, suavemente, o sentimento
De caminhar, melhor que um simples ir...

Que se caminhe... sem o chão tocar!
Voe-se... ao meigo sabor das mansas asas
Guardadas (caracóis em suas casas)
Para, num tempo certo, despertar...

É preciso seguir o Senhor Tempo.
Sereno e sábio, tão perto e distante,
Faz par com a Vida, eterna e sempre amante,
Num terno enlevar, nunca um contratempo!

Mais que viver, faça-se o bem viver!
Busque-se a Natureza em seu pulsar,
Em imagens que bailam pelo ar
Pintando o dia a cada alvorecer.

Mãos unidas, questão de puro siso!
O respeito ao irmão e à própria Vida,
Profundamente olhada e entendida,
São pilares da Paz... e é tão preciso!

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

segunda-feira, 28 de junho de 2010

A Cor da Poesia



















Guarda a paleta em sílabas ardentes
O tom do verso em letra colorida
De azul pintando em tônicas a vida
A misturar lampejos reticentes...

A rima sai em busca de suas lentes
Derrama luz na tela reacendida
E nasce a estrofe em cores concebida
Das ondas indo e vindo, inconsequentes.

A lua branca aponta na janela
Graciosamente empresta o seu balanço
Às letras bocejantes da aquarela...

E a poesia entoa um hino manso
Em sinfonia àquela meiga tela
Que declamou o mar em seu remanso.

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

Velha Goiabeira



















Quando cheguei
Já te encontrei
Árvore limítrofe
Te conservei
Não te cortei

Teu fruto saboroso comi
(Trabalho teu de muito tempo, refleti)
Com pássaros vários dividi
Pardal, sabiá, sanhaço e bem-te-vi
Dos galhos que iam para a casa ao lado vi
Serem colhidos os teus frutos, até assisti...
"Frutos que vão virar doce", da vizinha ouvi;
Pouco depois, cheiroso aroma senti.

Época dos frutos acabada,
Tua função dadivosa então terminada,
Eis que ouço a voz da tal vizinha, alterada:
Reclama de tuas folhas lá caídas, enfezada...

Aquela que tomou os frutos dos pássaros
— e se deliciou —
Aquela que desfrutou do teu trabalho
— e se regozijou —
Aquela que fez doce do teu fruto
— e se lambuzou —,
Volta-se contra ti, operária silenciosa,
Que nunca se importou
Em ofertar frutos que, sem nada pedir
Em troca, doou.

Perdoa, minha velha goiabeira, perdoa
Perdoa aqueles que nunca te amarão
Esquece, por favor, o insulto que atordoa,
A incoerência, o desamor e a ingratidão.

Querida árvore, mãe de frutos e de Vida,
Perdoa os cegos e insensíveis
— aqueles que não vivem, jazem.
Curvo-me a ti, grata, mãe obreira, mãe querida,
Perdão, mãe-árvore, "eles não sabem o que fazem!”


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Fé Roída



















Encontros amorosos e felizes
Deixam fragrância ativa pelo ar
Nas doces gotas de um intenso amar
Feito perfume em todos os deslizes.

Se um se vai, derramando tristes crises,
A madrugada lenta em seu passar
Testemunha um saudoso acariciar
Da almofada estampada em mil matizes.

E a dor massacra tão intensamente
Aquela que deu tudo e, sem um nada,
Descrê até do desamor que sente...

E se o cheiro impregnado na almofada
Sumir, um dia, assim completamente,
Sentir-te-ei na lembrança recordada...


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

Escaninhos do Coração


















Cheguei a me perder nos teus caminhos,
No emaranhado tinto das tuas vias...
Em tuas veias e artérias tu batias
Sentimentos variados e sozinhos.

Achei que tu seguias descaminhos,
Descaminhando sonhos em folias,
Te aventurando a novas cercanias
Em travessia para outros ninhos.

Achei-te vil, volúvel e imoral,
Coração meu, aberto ao que eu não via,
E perguntei se achavas natural.

Me respondeste: sou a utopia!
Me faço de escaninhos, coisa e tal,
Partículas do Amor, juntas um dia!


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

A Flor do Balde


















Abril chegou trazendo as flores dela,
Da Hymenocallis, tão pomposo e lindo
É o seu nome, e um florir que traz infindo
Prazer de um suave quadro em aquarela...

Monet a pintaria, vendo-a bela
Num amanhecer em cor se entreabrindo,
E líricas nuanças se esvaindo
Do caule que conduz a vida nela...

Nada menos que um vaso de cristal
Pra espargires do centro ao arrabalde
Teu todo de beleza angelical...

Esforcei-me por dá-lo a ti debalde,
E louvo a tua fragrância matinal
Brotar do coração de um simples balde!

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

Vida e Morte





















Débil réstia, um quase podre fio;
Um apagar de luzes claudicantes,
Como se fora o adeus de dois amantes
A um último suspiro no vazio...

É quase fim... E a dor, num arrepio,
extingue a sensatez dos meus instantes,
Tão distorcidos frente ao que era dantes,
E me lança num vácuo tão sombrio...

A existência se faz dos dois extremos
De um fio que apodrece a cada dia
Ao longo da jornada... E não o vemos...

Se numa ponta a Vida se inicia,
Na outra, um fim, que ao certo não sabemos,
Nos traz a Morte, angústia viva e fria!

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

Amigo, Uma Flor!


















Amigo, que bom é tê-lo
E tratá-lo com o desvelo
Que um bom Amigo requer;
Passem minutos e horas,
Haja esperas e demoras,
Um Amigo é o que se quer!

Havendo amor imperfeito,
Que causa dores no peito,
Um Amigo há de chegar,
Trazendo a flor da palavra,
Um verso da sua lavra,
Querendo nos levantar!

Mas se esse Amigo é que for
A causa da dor de amor,
Então a coisa complica...
O que, então, posso dizer
(Sem, contudo, resolver),
A Vida também explica:

Entre um amor solitário
(Que não vê destinatário)
E um bom Amigo... e fiel,
Fiquemos com o bom Amigo!
(Mas o amor eu não maldigo,
Que é doce/amargo de mel!...)


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Gotas de Chuva





















Enquanto a água escorre por calçadas
Lavando as impurezas e o seu pó
Lavo de mim tristeza fria e só
Em letras gotejantes e suadas...

Saio do chão das minhas invernadas
De entulhos bolorentos do meu dó
Agarro a luz na corda de um cipó
E busco iluminar-me nas passadas...

Saio na chuva navegando as águas
Caídas pra emprenhar a Natureza
Até nas gotas vivas sobre mágoas...

Gesto no tempo versos na certeza
De umedecer minhas sentidas fráguas
Parindo, em chuva, gotas de Beleza!

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

Dormindo (Olavo Bilac) - Acordando (Regina Coeli)



















De qual de vós desceu para o exílio do mundo
A alma desta mulher, astros do céu profundo?
Dorme talvez agora... Alvíssimas, serenas,
Cruzam-se numa prece as suas mãos pequenas.

Para a respiração suavíssima lhe ouvir,
A noite se debruça... E, a oscilar e a fulgir,
Brande o gládio de luz, que a escuridão recorta,
Um arcanjo, de pé, guardando a sua porta.


Versos! podeis voar em torno desse leito,
E pairar sobre o alvor virginal de seu peito,
Aves, tontas de luz, sobre um fresco pomar...
Dorme... Rimas febris, podeis febris voar...


Como ela, num livor de névoas misteriosas,
Dorme o céu, campo azul semeado de rosas;
E dois anjos do céu, alvos e pequeninos,
Vêm dormir nos dois céus dos seus olhos divinos...


Dorme... Estrelas, velai, inundando-a de luz!
Caravana, que Deus pelo espaço conduz!
Todo o vosso dano nesta pequena alcova
Sobre ela, como um nimbo esplêndido, se mova:
E, a sorrir e a sonhar, sua leve cabeça
Como a da Virgem Mãe repouse e resplandeça!

Autoria: Olavo Bilac

Na mão do poeta esculpe-se o alvorecer do dia
Na imagem construída, bela e fugidia,
Deitada em saborosas letras de acalanto,

Um verso inteiro em partes de alegria e pranto.
E quando se espreguiça, o verso faz da alma
Pincel estonteante, que a sorrir, acalma,
Pintando em maestria as cores da emoção

De especial paleta que é o coração.
Giram as tintas, voam versos em matizes
Enfeitando mil letras, em seus halos felizes,
Acordando o universo num beijo ao nascer

Da obra-prima que o poeta faz do alvorecer.
A luz em seu sorriso mostra os dentes brancos
Enquanto coloridas flores nos barrancos
Salpicam um olhar, olhos de tanta cor,

À vida ao seu redor, refulgindo em amor.
O sol dourando as folhas da verde palmeira
É o Divino a cingir a humanidade inteira

Num amoroso e terno abraço, que traduz
O lírico poeta, mão que nos conduz
A ler a Vida em verso, em cor de poesia,
Do despertar ao fim de cada meigo dia!

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

Bailarina


















Como rodinhas ágeis e graciosas
A deslizar macias e garbosas
Em movimentos suaves, sincopados;
Pezinhos leves, mansos, delicados...

Nos rodopios, saia balouçante,
Na pontinha dos dedos, saltitante,
Assim me via linda em tua dança
Num palco meu de sonho e de esperança...

No meu olhar, criança embevecida,
Queria ser ao menos parecida...
Ao me pôr na pontinha dos meus pés,
Desajeitada, tudo era revés...

"Dança outra vez pra mim!", eu te pedia;
E tu, rainha em lúdica magia,
Bailavas bela, e aí, sumias, fada,
Numa caixinha em música adornada...

Tu, bailarina em minha adolescência,
Rodopiavas graça e inocência
Em cada passo ao som da melodia,
E me encantavas sempre que eu te via...

Não eram minhas tu nem a caixinha;
Tu pertencias, sim, à mana Binha;
Minha irmã dava corda e tu dançavas...
E eu dava corda ao sonho e o esvoaçavas!
Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Minha Mãe




















Toma-me pela mão, minha mãezinha,
Me leva pela bem-aventurança
Daquele meu tempinho de criança,
Mãe, Bem que já não tenho, e ontem... tinha...

Toma-me pela mão, minha mãezinha,
Me guia pelas vias pedregosas,
Desperta-me paciência e fé frutuosas,
Mãe, Bem que já não tenho, e ontem... tinha...

Toma-me pela mão, minha mãezinha,
Cintila em retidão e dignidade
No teu exemplo, em mim, de seriedade,
Mãe, Bem que já não tenho, e ontem... tinha...

Toma-me pela mão, minha mãezinha,
Ensina esta filhinha, que é metade,
A fazer da tua ausência, amor, bondade,
Mãe, Bem que já não tenho, e ontem... tinha...

Toma-me pela mão, minha mãezinha,
Beija o meu rosto em lágrimas molhado,
Abençoa um serzinho magoado,
Mãe, Bem que já não tenho, e ontem... tinha...

Toma-me pela mão, minha mãezinha,
Meu bem-querer, amada Mãe Maria,
Consola-me, lembrança em dia-a-dia,
Mãe, Bem que já não tenho, e ontem... tinha...

Toma-me pela mão, minha mãezinha,
Leva-me na minha hora de partir
Em voo alado rumo ao meu porvir,
Mãe, Bem que já não tenho, e ontem... tinha...

Toma-me pela mão, minha mãezinha,
Estreita tua menina em teu regaço,
Me envolve o corpo trêmulo em abraço,
Mãe, Bem que já não tenho, e ontem... tinha...

Toma-me pela mão, minha Verdade,
São teus os meus versinhos no teu dia,
Mártir em dores, Mãe de Ouro, Maria,
Minha Mãe, Bem Maior, quanta Saudade...


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

Bordado





















Quando recordo a minha mamãezinha
Bordando um pano pra enfeitar a sala,
Uma saudade, em mim, vem e se instala
Daquele tempo meu de menininha...

Enquanto ela bordava, eu, quietinha,
Olhava minha mãe a admirá-la
Nas suaves mãos de fada a embelezá-la
Gravando em pano o belo que ela tinha...

Magicamente a linha, airosa, ia
Pra aquele pano e lá um sol formava;
Tão encantada, palmas eu batia...

Hoje bem sei que a mãe que então bordava
Usava as mãos bordando em maestria
A educação dos filhos que criava!


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

domingo, 30 de maio de 2010

Opostos



















Quando eu pensava que tu vinhas... ias
Quando eu pensava que tu ias... vinhas
Quando me vi pisando em tortas linhas,
Caí em pranto e tu? Ah, tu sorrias...

Ao saborear tuas horas doces, rias;
E a me arrastar nas tristes vias minhas,
Senti amargas gotas bem sozinhas,
Queimando as minhas faces já sombrias...

Se vês o amor como algo inconsequente,
Em que teus pés me pisam, ao pisar
Meu pobre coração que é tão carente....

... Vai embora, amor, e deixa-me sangrar
O meu amor por ti completamente,
Até que eu morra em mim ao te secar!


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

Resgate das Cores




















Perderam o sentido as aquarelas
Usadas pra pintar só a alegria,
Dos vigorosos traços, sombra fria,
Apenas uns rabiscos sobre as telas.

Foram fechadas portas e janelas
E do jardim florido, um certo dia,
A murchidão das flores lá jazia,
Pintando o triste fim de todas elas!

O sol brincou nas nuvens carregadas,
Perdeu sua luz nos raios que sumiram,
Mas retornou em lágrimas veladas.

E as cores desbotadas ressurgiram
Como num arco-íris, bafejadas
Por meigos pingos d´água... e até sorriram!


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Vaidade



















Quão vaidosa no céu vai desfilando
A lua em sua beleza iluminada,
Cantada em tanta estrofe sincopada
No verso de quem vive poetando...

No tempo de surgir um novo quando,
Diz um poeta, em letra soletrada,
Que a luz da lua vem a ser um nada,
Porque é do sol a Luz iluminando...

A lua ficou triste e bem distante...
E ainda ouviu dizer do azul que encerra
Certo alguém de que o poeta fez-se amante...

Ao ver surgir seu brilho atrás da serra,
Eu choro ao imaginar, num raro instante,
A lua em seu chorar, olhando a Terra!


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

quinta-feira, 20 de maio de 2010

O Verbo Amar (JG de Araújo Jorge e Regina Coeli)
























Te amei: era de longe que te olhava
e de longe me olhavas vagamente...
Ah, quanta coisa nesse tempo a gente sente,
que a alma da gente faz escrava.

Te amava: como inquieto adolescente
tremendo ao te enlaçar, e te enlaçava
adivinhando esse mistério ardente
do mundo, em cada beijo que te dava.

Te amo: e ao te amar assim vou conjugando
os tempos todos desse amor, enquanto
segue a vida, vivendo, e eu, vou te amando...

Te amar: é mais que em verbo, é a minha lei
e é por ti que o repito no meu canto:
te amei, te amava, te amo e te amarei!


Autoria: JG de Araújo Jorge


O Verbo Amar
Regina Coeli

Te amei, e muito perto te sentia,
E tu, meu sol, sequer me imaginavas...
Ainda assim, sonhei que tu amavas
Esta tua lua imersa em fantasia...

Te amei; em dia quente e em noite fria,
Fiz-me liberta de elos e de travas,
Bailei contigo as fases que valsavas
Numa ilusão de amor que entorpecia.

Te amei; e o verbo amar, de mim ausente,
Eu conjuguei nos tempos que eu bem quis,
De um jeito meu, de forma inconsequente...

Te amei; e aquele amor me fez feliz
Até que a fantasia virou gente,
E ao me dizer "amor", fez-me infeliz!


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli



quarta-feira, 19 de maio de 2010

Mercado de Flores




















Uma roseira prosa tem na rosa
O seu trabalho belo e sem igual,
Que é transformar rebento angelical
Em esplendor de flor maravilhosa.

E na beleza altiva e fulgurosa,
Quem sabe, a flor sorrisse em pedestal
Agradecendo à brisa celestial
Desabrochar, na terra, linda e airosa...

Quem sabe, em cada casa haver jardim,
Ou uma flor bonita na janela...
Ah, sonho bem meu, hóspede de mim...

Se a flor comprada tem tristeza nela,
Talvez, quem sabe, amargue a dor do fim
E do valor tão frio dado a ela...


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

sábado, 8 de maio de 2010

E agora, Drummond?




















Boa tarde, poeta
Prazer encontrar-te
Minh´alma se aquieta
Diante da Arte

Há tempos eu passo
Te vejo, não paro
No meu descompasso
O agora é raro

Me ponho a te olhar
Sugar tua essência
De ti aspirar
Amarga inocência

Dizer-te flutuo
Teu verso, tua voz
No frouxo que intuo
Da Vida sem nós

Poeta de Minas
Vieste pro Rio
Guardar em colinas
O sol no teu frio

A pedra que cantas
No chão do caminho
É riso das santas
Na taça com vinho

Na rima largada
Sozinha no mundo
Qual pedra chutada
De nome Raymundo

Te vejo no banco
Na serra,no mar
No pó do barranco
Nublando o meu ar

Passado e futuro
Em paz penitente
Te apartam do muro
Que encobre tua gente

Tão gauche assim
Eu sugo teu verso
E fujo de mim
Pro teu universo

Poeta, que sejas
Um ponto de ordem
Nas rubras pelejas
Da minha desordem

E possam as horas
Surfar simplesmente
Nas longas demoras
Das ondas da gente

Que as noites te sejam
Colírios pros olhos
Em cordas que harpejam
Luar nos abrolhos

Que o céu que pranteia
Chuvinha renhida
Modele na areia
Teus versos de vida

Quisera contigo
Pra sempre ficar
Ouvindo, amigo,
O mar murmurar

Tu és como um som
Que ceva minh´alma
E agora, Drummond,
Te deixo com calma...

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

Dádiva




















Se a água fresca cai, feliz, em correnteza...
A rosa faz-se bela, abrindo-se em sorriso...
E a sede faz-se fé, se a fé é indefesa,
E dá à flor a cor do amor frente ao impreciso.

E o pote vê chegar a água... e ri seu riso,
Pois que ele tem em si a guarda da riqueza;
Se a água fresca cai, feliz, em correnteza...
A rosa faz-se bela, abrindo-se em sorriso...

Mais que sentir a dor de um copo ausente à mesa,
É amar a água, um Bem corrente e tão preciso,
E amar a Vida em nós, cobertos de Beleza,
Mas não perder o Amor, e sim valer o siso,
Se a água fresca cai, feliz, em correnteza...


Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Cartinha
























Amigo meu das noites e dos dias,
Escrevo-te estas mal traçadas linhas
Pra te levar umas notícias minhas
Colhidas num jardim de fantasias.

Vivo feliz em meio aos passarinhos
Que cantarolam meiga e ternamente
Belas canções, num afago displicente,
A flores murchas de hojes tão sozinhos.

Eu sinto as horas no bater das asas
Ágeis; e em destros bicos num profundo
Empenho de construir cada segundo,
Tecendo ninhos que serão suas casas.

Ah, meu amigo, há tanto a se aprender
Com esses seres, lindos e pequenos,
Que nos visitam em cantos tão amenos
E fazem até a dureza enternecer...

E no amanhã, libertos de senões,
Vão-se daqui para qualquer lugar.
Pra construir um novo e terno lar
Em novos e sedentos corações.

O meu olhar espicha e encontra as flores;
O flamboyant que sangra o azul do céu
Num quadro que o pintor plasmou de mel,
Para adoçar imensuráveis dores,

E o "boa noite", flor de singeleza,
Que se apresenta altivamente bela,
Ornando o parapeito da janela
De cor vivaz que vem da Natureza...

No bougainvíllea, em brácteas coloridas,
O rude espinho impõe sua presença
Pra defender a Vida; e que Ela vença
Também na rosa, em nuanças protegidas.

Meu bem-te-vi chegou, e muito bem;
Desperta, alegre, a nova passarada
Que se constrói, abrindo uma alvorada
Que se levanta e faz-me ver além...

O sabiá me toca fundo o peito
Ressoa triste em mim sua flauta doce;
Chama minh´alma como se ela fosse
A amada sabiá chamada ao leito...

Assim eu vivo, amigo, docemente,
Com tudo à minha volta, e pra que mais?
Encantos muitos, brisa, sol e paz,
E a lua branca surgindo calmamente...

Se quer saber, acaso, do meu bem,
Ele se foi, e ainda não voltou;
Quem sabe volte e veja o que deixou:
Este vazio imenso de ninguém...

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

quinta-feira, 6 de maio de 2010

De Repente...



















Não importa que o sol se tenha ido.
Ele vai, mas retorna logo, em breve,
Que sem ele viver ninguém se atreve,
Longe dele o perdido é mais perdido...

E se a chuva cair num tom sofrido,
Tanto faz seja muita ou seja leve,
Molha a alma , gelada como neve,
Faz doer coração desprotegido...

Assim é, dentro em pouco não é mais,
Belas rosas abertas para o sol
Ficam feias, se a água for demais...

Mas se as mãos, orientadas por farol,
Perfumarem desejos de ter paz,
Rosas tristes rirão ao arrebol!

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

Saudade do Piuííí




















Lá longe, onde o passado jaz perdido
Sempre via um alegre trem passar
Deixava som saudoso ao meu ouvido
Um gostoso "piuííí" solto pelo ar...

A criançada, olhar embevecido
Aplaudia o trenzinho em seu cantar
"Piuííí, Piuííí!", um eco repetido
Até sumir sua imagem devagar...

No relembrar de dias tão distantes,
Fica-me uma tristeza acre e sem fim
Jamais verei "piuííís" como vi antes...

Um trem desliza e corre pelo chão
Circula e encanta todos, não a mim,
Porque não traz "piuííí" ao coração!...

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli

terça-feira, 4 de maio de 2010

Caminhos do Meu Tempo






















Se quero percorrer sábias estradas
E dar aos meus minutos rico fim
O que eu puder andar dentro de mim
Eu andarei... Por trilhas e quebradas...

Caso eu cruze com rosas maltratadas
E encontre sem olor cada jasmim,
Hei de buscar saber por que é que vim
Pousar meus pés em rotas desbotadas...

Após a tempestade vêm as cores
Dispersas no arco-íris da ilusão
E no doce perfume de mil flores...

Que das copiosas chuvas de verão
Revelem-se das matas os verdores
E os meus becos em luzes se abrirão!

Cartas de Alforria
Escritos de Regina Coeli